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De geração em geração

De geração em geração

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Cezar Couto, da Lowçucar: “todos lutam pelo mesmo objetivo e pensam a longo prazo. O comprometimento e a resiliência são por um objetivo comum”; na foto ao lado dos pais, Amaury e Nanci

Há 34 anos no mercado, a Lowçucar tem uma trajetória marcada pela resiliência e capacidade de adaptação. Hoje diretor executivo, Cezar Couto tinha 11 anos quando o pai, o engenheiro químico Amaury Couto, fundou a empresa familiar. 

No final dos anos 80, Amaury era professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e teve atuação relevante no projeto estévia – planta nativa da América do Sul – que pesquisava alternativas ao açúcar e às fórmulas de adoçantes. 

“O processo de extração da estévia gerou uma patente à UEM, mas ao fazer a transferência para o mercado, meu pai percebeu que a estévia pura não tinha sabor muito agradável e seria necessário mesclar com outros adoçantes. Só que o pessoal se recusou a fazer e ele não quis deixar este conhecimento morrer”, conta Cezar. 

O patriarca, então, montou um laboratório nos fundos de casa e lá fez o adoçante mesclado, primeiro lançamento da Lowçucar. Na época, além da pesquisa, coube a Amaury fazer a comercialização. “Ele precisou convencer o mercado que o produto era bom”, diz Cezar. 

Nos anos seguintes, os alimentos dietéticos expandiram e passaram a movimentar bilhões alçados pela procura por alimentação saudável. Este cenário levou Cezar a cursar Engenharia de Alimentos. “Não sabia o que estudar e fui por eliminação. Indiretamente, também houve incentivo dos meus pais”, conta.  

Em 2001, Cezar fez estágio obrigatório da graduação na empresa da família. No ano seguinte, formado, ingressou na Lowçucar numa função técnica. E diferente dos irmãos, lá ficou. “Meu irmão mora nos Estados Unidos desde o high school e minha irmã chegou a trabalhar na empresa, só que acabou seguindo outra carreira”.

Paralelamente, iniciou a busca por conhecimentos de gestão. Em 2006, tornou-se gerente de planejamento. Um ano depois assumiu a gestão da empresa para que o pai pudesse se dedicar, à governadoria do Rotary. “Assumi sem ter sido preparado para isso, não tinha expertise de gestão e liderança à época e não houve transição. Mas neste período descobri que queria seguir na área de gestão”, conta. 

Quando Amaury retornou um ano depois, Cezar era uma liderança, e aí sugiram alguns embates. “Visualizamos o mesmo ponto de chegada, mas os caminhos percorridos são diferentes até hoje porque somos de gerações diferentes”. 

Em 2012, Cezar se tornou diretor e, numa transição quase natural, foi assumindo as rédeas da empresa. Hoje é dele a responsabilidade da gestão corporativa, mas Amaury ainda tem a última palavra em determinados assuntos. “Meu pai é um bom vendedor e por isso gosta do setor comercial. Ele também gosta do setor de identidade visual, que define as embalagens dos produtos. Estas nunca foram áreas do meu grande interesse, então acompanho de longe”, diz.

Mas se os assuntos são investimentos e desenvolvimento do negócio, a conversa envolve além de pai e filho, Nanci Bettinardi Couto. Embora não detenha cargo executivo, a matriarca participa das reuniões e discussões sobre o futuro da Lowçucar.  

Esta união pelo sucesso da empresa, aliás, é um dos diferenciais do negócio familiar, na opinião de Cezar. “Todos lutam pelo mesmo objetivo e pensam a longo prazo, diferentemente de um executivo que traça planos a curto e médio prazos e quando aparece outra boa oportunidade, deixa a empresa. No caso familiar, o comprometimento e a resiliência são por um objetivo comum”. 

Isso não impede que, vez ou outra, surjam conflitos. Para superá-los, a família adota uma comunicação clara e objetiva. Esta estratégia também ajuda a manter as divergências no âmbito profissional. “É preciso entender quando estamos com o chapéu de executivo, e quando estamos com os chapéus de pai e filho”.  Num futuro próximo, a Lowçucar deve criar um conselho consultivo e oficializar a sucessão.


De pai para filho



Kairo Bento, da Esquina do Pão: “meu pai foi diminuindo o ritmo de trabalho e me dando autonomia. Hoje somos sócios”; na foto com os pais Celso e Marliete e a esposa Bruna

No mercado desde 2005, a Esquina do Pão também chegou a segunda geração. Kairo Bento administra a empresa aberta pelo pai, Celso Bento. “Meu pai sempre atuou no ramo de panificação e abriu a padaria após retornar de uma temporada morando no Mato Grosso”, conta Kairo.

Nos primeiros anos, toda a família, formada pelos pais e três filhos, trabalhava na padaria. Em 2011 as duas filhas de Celso se casaram e seguiram outro rumo. No mesmo ano, Kairo decidiu que seguiria carreira na empresa familiar.

“Em 2010 me formei em Nutrição e em 2011 comecei a atuar fortemente no negócio com meus pais. Decidi ficar na padaria trabalhando na parte da administrativa e hoje supervisiono tudo”.

Segundo ele, a transferência das responsabilidades foi ocorrendo de forma gradual. “Meu pai foi diminuindo o ritmo de trabalho e me dando autonomia. Hoje somos sócios”. 

Para chegar ao organograma atual, foram necessários ajustes, até por conta da chegada da Bruna, esposa do Kairo, ao time. Uma consultoria foi contratada para ajudar na divisão de tarefas entre os sócios. 

A matriarca Marliete é responsável pela qualidade dos produtos e linha de produção, Celso faz as compras, Bruna cuida da parte administrativa e financeira. Já o departamento de RH e a parte comercial estão a cargo de Kairo. “Cada um tem sua função e todos podem opinar, mas a tomada de decisão no dia a dia é minha, até porque há decisões que precisam ser tomadas na hora. E mesmo quando não concordam, eles confiam que estou tomando a decisão pensando no melhor para a empresa”, diz. 

Kairo, que acabou de estrear na paternidade, já pensa em dividir o ambiente de trabalho com os gêmeos no futuro. “Sou pai de dois meninos que nasceram em julho. Espero conduzir a padaria até eles crescerem e, quem sabe, se tiverem aptidão para os negócios e quiserem, poder passar a empresa para eles”, finaliza.


Unidos pela medicina



“Há apoio real nas decisões, menos competição por avanço na carreira e maior confiança nas tomadas de decisões”, diz Lucas Savóia, que trabalha com o sogro, Daoud, e a esposa, Kássila

No Centro de Cirurgia da Obesidade e Diabetes o trabalho também é em família. Pai, 67 anos, filha, 39 anos, e genro, 41 anos, trabalham na clínica fundada por Daoud Nasser. Na época, ele não imaginava que no futuro dividiria a paixão pela medicina e o ambiente de trabalho com a filha e o genro. 

O cirurgião Lucas Eduardo Savóia entrou para o corpo clínica em 2013, mesmo ano do casamento com a dermatologista Kássila da Rosa Nasser Savóia. “Iniciei na clínica logo depois que finalizei a especialização em São Paulo e retornei para Maringá”, conta.

Assim como o sogro, Savóia é cirurgião geral e bariátrico. Ele também é endoscopista e cirurgião do aparelho digestivo. Por isso, frequentemente os dois operam juntos e têm a companhia de Adriana Sales Finizola, também integrante do corpo médico da clínica. “Os procedimentos cirúrgicos são realizados em conjunto visto que realizamos cirurgias de grande complexidade”, explica Savóia.

Já Kássila seguiu os passos do pai na medicina, mas optou por outra especialidade: fez especialização em Dermatologia e Tricologia e em 2014 passou a atender na clínica fundada pelo pai. 

“É muito bom trabalhar em família. Há apoio real nas decisões, menos competição por avanço na carreira e maior confiança nas tomadas de decisões”, enaltece Savóia.

Essa confiança e lealdade também alcançam os colaboradores e clientes. “Há uma pessoalidade intrínseca no negócio gerido pela família que é notada pelos clientes, parceiros e fornecedores”, pontua. 

Questionado sobre o maior desafio de uma empresa familiar, ele cita o compromisso com a profissionalização. “É importante separar o ambiente profissional do doméstico e entender que no negócio as decisões são voltadas para a empresa acima do desejo pessoal”, diz. Mas isso não impede que assuntos relacionados à clínica virem pauta de conversas entre os familiares nos fins de semana e feriados.

O bom ambiente de trabalho também é assegurado pela definição de papéis e responsabilidades, além da comunicação transparente. Dentro dos consultórios, cada médico tem autonomia para conduzir os atendimentos individualizados dos pacientes. Já a gestão administrativa da clínica é compartilhada entre Savóia e a esposa. 

Quando o assunto é ligado a investimentos, os dois contam com o suporte de uma equipe técnica. “Eles nos ajudam tanto para a implantação de uma tecnologia como para ampliação de serviços e da equipe”, diz o cirurgião. 

Esporadicamente, os médicos recorrem a consultorias especializadas. A clínica já contratou, por exemplo, consultorias de gestão financeira, experiência do paciente, recursos humanos e marketing. “Uma empresa familiar é diferenciada porque tem uma visão a longo prazo, é criada para durar e se possível passar por gerações”, projeta Savóia, que é pai de duas meninas, de 3 e 6 anos. “Desejamos que elas sejam felizes, mas se desejarem ir para o caminho da medicina, apoiaremos com carinho”, conclui.


Fundador no comando



Luiz Fernando Fontana trabalha ao lado de dois filhos na Injetta Plásticos

Na Injetta Plásticos, a sucessão é assunto para o futuro, já que a aposentadoria ainda não está nos planos de Luiz Fernando Fontana, 57 anos. No dia a dia da indústria que fundou em 2008 a partir da Projetare Projetos – seu empreendimento anterior -, o empresário tem a companhia de dois dos três filhos. 

Formada em Arquitetura, a primogênita Gabriela Tortorelli Fontana, 34 anos, decidiu se dedicar integralmente ao negócio da família há oito anos, após algumas idas e vindas.

O caçula Luiz Fernando Fontana Filho, 27 anos, cursou Processos Gerenciais em busca de conhecimento técnico para gerenciar a equipe de produção. 

“A Natalia [filha do meio] já trabalhou, mas decidiu seguir carreira na arquitetura”, conta o empresário, que admite ter incentivado os filhos a seguirem seus passos. “Incentivei, mas não forcei. Até porque não sabia se era o melhor pra eles”. 

Gabriela e Luiz Fernando começaram a ter contato com os negócios ainda na adolescência. Com 13 anos, os dois já frequentavam esporadicamente a Projetare. Na época, Fontana aconselhava a primogênita e o caçula: “aprendam, porque quem sabe pode estar no comando, e a quem não sabe, só resta executar”. 

Fontana chegou a incentivar os filhos a trabalhar em outras empresas antes de se decidirem pela Injetta. Até porque as regras aqui são as mesmas para todos os colaboradores. 

A divisão de tarefas, por exemplo, se dá por necessidade, afinidade e competência. Promoção para cargos de confiança e liderança, ainda que na condição de herdeiros, depende de conhecimento e capacidade. “Acredito que qualquer negócio, por menor que seja, precisa de profissionalismo. Se for para crescer, precisa do mesmo profissionalismo, acrescido de vontade e determinação. Muita fome de vencer”, pontua. 

Além do profissionalismo, ele aposta no alinhamento de interesses com os filhos e na cultura e nos valores familiares. “Esta transferência de valores para o negócio costuma causar empatia por parte de clientes, fornecedores e colaboradores”, diz Fontana. 

Por outro lado, neste tipo de negócio, o maior desafio é lidar com os conflitos sem misturar o ambiente doméstico e profissional. “É um trabalho em constante aperfeiçoamento. Às vezes precisa da intervenção da dona Lourdes Fontana”, confidencia o empresário, referindo-se à esposa. 

Até o momento a última palavra nas tomadas de decisões ainda é do empresário. Entretanto, muitas têm sido embasadas na opinião dos filhos. “Temos também um sócio que nos ajuda nas decisões importantes envolvendo compra de equipamentos e investimentos em novos projetos”, diz. 

Mesmo sem planos próximos de aposentadoria, Fontana já participou de cursos e palestras sobre sucessão familiar.  


Planejamento sucessório



“É importante estabelecer limites entre o tempo de trabalho e o tempo pessoal, criando um espaço físico distinto para o trabalho”, aponta a consultora Carla Jaqueline Volpato

No Brasil, as empresas familiares correspondem a 90% das empresas ativas. Elas são responsáveis por 65% do Produto Interno Bruto (PIB) e empregam 75% da força de trabalho, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Entretanto, o desafio delas é se manter na ativa ao longo do tempo. Um estudo do Banco Mundial revelou que só 30% das empresas familiares chegam a terceira geração. Entre os principais obstáculos à longevidade, segundo o estudo, estão o apego e a centralização excessiva de poder; a sobreposição de papéis; a dificuldade de reconhecer e trabalhar as limitações pessoais; e a falta de planejamento sucessório.

“O planejamento sucessório é essencial para garantir a longevidade e o sucesso contínuo da empresa familiar, preservando tanto os interesses da família quanto os empresariais”, pontua a consultora Carla Jaqueline Volpato.

Este planejamento, aliás, começa com a chegada dos filhos ou de um parente à empresa. Esta ‘contratação’, assim como qualquer outra, deve considerar as habilidades, experiências e interesses de cada um, e não apenas os laços familiares.  

Estes mesmos critérios ajudam numa divisão de tarefas assertiva. “Documente as responsabilidades em um organograma ou descrição de cargos para evitar sobreposições e confusões”, ensina Carla. 

A criação de estruturas de governança, reuniões de alinhamentos constantemente e mentorias também devem fazer parte da rotina da empresa familiar. Além da longevidade, o planejamento sucessório impacta aspectos financeiros, tais como a segurança financeira, a proteção dos investimentos, redução de impostos e gestão de ativos. 


Profissional x familiar 

A preparação da transferência de poder e recursos não apenas impacta o futuro da empresa, mas as relações e dinâmicas familiares.  

“Empresas familiares enfrentam desafios específicos devido à mistura de relações pessoais e profissionais. Disputas pessoais, por exemplo, podem afetar negativamente a dinâmica e a operação da empresa”, diz a consultora. 

Para evitar este tipo de embates, a orientação é separar a vida doméstica da profissional, tarefa nada fácil e que exige prática e disciplina. “É importante estabelecer limites entre o tempo de trabalho e o tempo pessoal, criando um espaço físico distinto para o trabalho. Definir horários de trabalho e evitar discussões sobre negócios fora do expediente também são essenciais”, ensina Carla.

Outro ponto essencial é a implantação de processos e estruturas de governança para profissionalizar a gestão e minimizar influências pessoais, em especial no momento da tomada de decisões. 

“O ideal é que todos os membros da família se sintam confortáveis para expressar opiniões e preocupações, mas as decisões devem ser pautadas em dados e estatísticas, evitando possíveis desconfortos por conta de opiniões divergentes”, diz a psicóloga.  

Neste momento, não raro, uma ajuda externa de consultores e mediadores é bem-vinda. A contratação de consultoria, aliás, é superindicada para empresas familiares interessadas em uma governança e sucessão pacífica e bem-sucedida.  

“Os consultores oferecem visão objetiva e especializada. Eles ajudam a tomar decisões sem influências emocionais, desenvolvem plano de sucessão e gestão detalhado, abordando desafios e oportunidades específicas da empresa, atuam na mediação de conflitos familiares, garantindo uma transição mais harmoniosa”, conclui.


Construir lares

Para o empresário e engenheiro civil José Armando Quirino, a construção de empreendimentos residenciais tem um propósito de projetar e entregar lares onde as pessoas poderão experimentar e desfrutar as conquistas ao lado de quem amam. Esta sensibilidade unida à criatividade e inovação garantem o sucesso da Catamarã Engenharia, empresa fundada por ele e pela esposa, Marcela, também engenheira, em 1989.

Dois dos quatro filhos do casal se formaram em Engenharia Civil e passaram a fazer parte da empresa. E quando o assunto é sucessão, Quirino explica que na construtora esse vem sendo um movimento natural em que os filhos e sócios Rodrigo e Marcelo foram aos poucos conquistando espaço.

“A escolha da profissão de cada filho nunca foi uma imposição, mas o encontro com um dom. Assim, Bruno e Eduardo cursaram medicina, e Rodrigo e Marcelo escolheram o caminho da Engenharia. Na Catamarã identificamos os diferenciais e talentos de cada filho até que o Rodrigo se tornou Diretor Técnico e o Marcelo, Diretor de Marketing e Vendas. Digo sempre que ‘embaixo de árvore frondosa não cresce nem grama’, então percebi a necessidade de me podar para que a luz pudesse entrar e permitir que as árvores pudessem crescer. Ou seja, para que a sucessão ocorresse de fato e da forma saudável para a empresa, é necessário que eu dê espaço para que eles possam se desenvolver e crescer”.

No dia a dia, Quirino relata que eles conversam com abordagem profissional e deixam a vaidade de fora, garantindo que os interesses da empresa sobreponham aos anseios individuais. Os erros também são tomados por aprendizado.

Esse cuidado em orientar e estar ao lado dos filhos garante que a sucessão ocorra sem sobressaltos e seja objeto de orgulho e realização. Aos 68 anos, Quirino não pensa em parar, mas afirma que está diminuindo a velocidade, passando o bastão para os filhos. “Continuo torcendo e aconselhando, deixando as tarefas rotineiras a cargo dos sócios e atuando de forma ativa nas tomadas de decisões de maior relevância”, diz. 

Os quatro filhos já deram a Quirino nove netos. Como avô, ele pensa da mesma forma que pensa como pai: cada um precisa encontrar o caminho e o seu verdadeiro talento, porque assim o sucesso é inevitável. “Sonho sempre levantar a régua e fazer empreendimentos melhores e inovadores. Somos reconhecidos, mas continuamos com a inquietação de fazer tudo com paixão, tendo o resultado financeiro como uma consequência”, finaliza.