Desde o fortalecimento do home office, impulsionado pela pandemia, passando pelo aprimoramento dos serviços de entrega às lives e outras transmissões ao vivo: tudo abriu oportunidades, mas também novos desafios. Prestes a completar dois anos desde o final oficial da emergência sanitária, empresários e gestores de Recursos Humanos lidam com mudanças estruturais, principalmente no comportamento de quem está ingressando no mercado de trabalho, o que tem tornado a contratação e a retenção de talentos desafiadoras.
Jeferson Cardoso, da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH): “há trabalhadores que aderiram ao que tem sido chamado de ‘demissão silenciosa’, que consiste em não fazer nada além do necessário”
É o que confirma Jeferson Cardoso, presidente regional da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), para quem a pandemia gerou movimentos que impactam diretamente a forma como os profissionais lidam com emprego e gestores. “Há trabalhadores que aderiram ao que tem sido chamado de ‘demissão silenciosa’, que consiste em não fazer nada além do necessário, ou seja, executar apenas as tarefas para as quais foi contratado, até que o comportamento resulte em demissão”, afirma ele, que faz parte do núcleo de Recrutamento e Seleção do Programa Empreender da ACIM.
O motivo da ressignificação, de acordo com Cardoso, é o peso maior para a qualidade de vida. “As pessoas passaram a prezar pela saúde mental e bem-estar, por isso, a sobrecarga deixou de ser romantizada e de ser vista como sinônimo de produtividade”, diz. Além disso, o objetivo de permanecer por anos em uma empresa não faz sentido, sobretudo para a nova geração. “Hoje os profissionais permanecem em seus cargos enquanto sentem que têm oportunidade de crescimento pessoal e profissional, senão, partem sem dificuldade para o próximo desafio”, afirma.
Novo olhar
O resultado é que algumas empresas têm optado pela contratação de pessoas experientes, entre 50 e 60 anos. “O bom atendimento, o olho no olho e a empatia fazem muita diferença e, nesse quesito, os mais velhos, em alguns casos, saem na frente”, diz. “Em um caixa de supermercado, por exemplo, nem sempre o cliente está com pressa, às vezes prefere atendimento com qualidade em detrimento da velocidade”, explica.
Outra estratégia usada pelas empresas, principalmente de Tecnologia da Informação (TI), é investir na formação e oferecer bons benefícios. “O home office, por exemplo, é valorizado entre os mais jovens, então, ao permitir esta modalidade, o empregador consegue reter ao mesmo tempo em que molda as competências do colaborador com formações e capacitações internas”, diz.
Por fim, Cardoso alerta para outra tendência: a valorização dos Recursos Humanos. “Empresas que sequer tinham este departamento estão vendo a necessidade de tê-lo, em alguns casos até como vice-presidência”, afirma.
Alta rotatividade
Maíra de Angelis Garcia Rosa, da Madê: “de cada dez pessoas que passam aqui, uma de fato está disposta a crescer. Esta é uma constante, mas tenho a impressão que ultimamente está mais difícil”
No mercado de moda feminina há dez anos, Maíra de Angelis Garcia Rosa conhece bem os desafios da contratação e da retenção. A loja dela, a Madê, que fica na rua Neo Alves Martins, sofre com a rotatividade. Vendedoras e caixa permanecem na função por um ano e meio ou no máximo dois anos. “De cada dez pessoas que passam aqui, uma de fato está disposta a crescer. Esta é uma constante, mas tenho a impressão que ultimamente está mais difícil”, afirma Maíra, que faz parte do Núcleo de Gestores Comerciais, do programa Empreender da ACIM.
Segundo ela, as alegações vão desde a falta de interesse de trabalhar aos sábados ao pensamento equivocado de que outro trabalho será mais tranquilo. “Vejo que a geração jovem é pouco resiliente e se cansa fácil. Se está difícil, é comum buscar outra empresa”, afirma.
A dificuldade de contratação e retenção não é exclusividade do setor de confecções. Maíra afirma que, por participar do Núcleo de Gestores Comerciais, na troca experiências com empresários de outros setores a reclamação é a mesma. “Quem trabalha com alimentação, que precisa de profissionais à noite e aos fins de semana, tem ainda mais dificuldade”, afirma. Por isso, aos que demonstram interesse em aprender e crescer, Maíra não mede esforços para moldar, tanto que a loja sempre abre espaço para quem busca o primeiro emprego, principalmente na área de vendas. “Eu invisto, vou ensinando e moldando, mas tem que demostrar interesse e saber que os resultados não se colhem do dia para a noite”, diz.
Compatibilidade de perfil
“Buscamos profissionais que além das competências técnicas estejam dispostos a abandonar eventuais vícios do mercado tradicional, afinal nosso modelo de negócio é diferente”, pontua Julio Trindade, da Sicredi Dexis
Com cerca de 300 vagas por ano, a Sicredi Dexis, presente em mais de cem cidades do Paraná e São Paulo, tem um time dedicado ao departamento de Gente e Cultura. O gestor Julio Trindade reconhece que quando o assunto é capacitação e retenção, a cooperativa tem feito a lição de casa. Só no ano passado foram mais de 50 mil horas de formação aos mais de mil colaboradores. “Isso dá uma média de 42 horas por ano por colaborador, e a tendência é aumentar neste ano”, afirma. Além disso, a Sicredi mantém programas internos de capacitação, que incluem cursos básicos, regulatórios e técnico para o exercício das funções até uma universidade corporativa composta por Escolas de Negócios, Escola de Atendimento e Operações e Academia de Lideranças.
Para retenção, a cooperativa oferece benefícios. “Temos plano de saúde, plano odontológico, seguro de vida, previdência privada, apoio jurídico, auxílio-estacionamento, auxílio-creche, vale-alimentação, participação nos resultados, auxílio-educação, universidade corporativa, além de suporte psicológico, facilidade para comprar medicamentos e vale-transporte que não é descontado do salário do colaborador”, diz.
Com 113 agências e uma sede administrativa, a porta na Sicredi Dexis costuma ser, na maioria das vezes, a agência e depois de acordo com as intenções de carreira, por meio de processo interno, pode haver a migração para a sede. Segundo Trindade, diferente de outras empresas, geralmente a cooperativa não tem dificuldade de encontrar candidatos com qualificação, mas em encontrar profissionais com perfil alinhado aos valores e à cultura da cooperativa. “O mercado financeiro é consolidado, por isso, há oferta de profissionais com formação acadêmica e sólida experiência profissional, no entanto, nossa dificuldade é encontrar candidatos com essência cooperativista e os mesmos valores que nós”, explica.
Durante os processos seletivos, Trindade afirma que nem sempre são priorizados os candidatos mais qualificados tecnicamente, mas que possuem capacidade técnica, facilidade de aprendizagem e que demonstram aderência ao perfil da cooperativa. “Buscamos profissionais que além das competências técnicas estejam dispostos a abandonar eventuais vícios do mercado tradicional, afinal nosso modelo de negócio é diferente. A cultura do resultado a qualquer custo, por exemplo, não acontece na nossa cooperativa de crédito”, diz. Trindade afirma que, em média, leva um ano para um novo colaborador internalizar a cultura organizacional e os valores da cooperativa.
O programa Empreender conta com mais de 80 núcleos setoriais e multissetoriais, alguns estão sendo lançados neste trimestre. Para participar de um grupo, é preciso apenas ser associado da ACIM e participar das reuniões quinzenais, que são acompanhadas por um consultor. A lista de núcleos e empresas participantes está disponível em www.acim.com.br/empreender