Artigos

“Me preparei para estar na cadeira que ocupo hoje”

“Me preparei para estar na cadeira que ocupo hoje”

254
visualizações
Um negócio a gente não herda. Se for este o objetivo, é melhor contratar gente competente, capaz e dedicada para tocar. Negócio a gente constrói e multiplica, não precisa ser do zero, mas precisa ser todo dia um pouco 

Renata Vichi poderia ter sido alçada à liderança do Grupo CRM - detentor das marcas Kopenhagen, Brasil Cacau e Kop Koffee – na condição de herdeira, mas preferiu o caminho do merecimento para chegar à presidência. 

Com 16 anos, ela começou a trabalhar como estagiária de marketing na Kopenhagen, empresa precursora no segmento de chocolates finos, à época controlada pelo pai, Celso Moraes. Antes de assumir a presidência, aos 38 anos, passou pela diretoria de marketing e comercial e vice-presidência. 

A ascensão ao posto mais alto da empresa ocorreu em março de 2020, justamente quando foi decretada a pandemia da covid-19. O período, aliás, é apontado pela empresária como o mais desafiador da carreira até aqui, mas de “aprendizados incomparáveis”. 

Para fazer frente às restrições de isolamento, Renata implantou e fortaleceu o e-commerce da empresa. Em dois anos, essas vendas saltaram de 5% para mais de 20% do faturamento do grupo.

Antes da expansão digital, Renata liderou, em 2009, a criação de uma marca com o objetivo de democratizar o chocolate de qualidade. Surgia, então, a Brasil Cacau. Dez anos depois, também foi responsável pela criação da rede de cafeteria Kop Koffee. 

Em 2021, a empresária foi destaque na Forbes como uma das CEOs que melhor lidou com a pandemia e fez com que a companhia crescesse e avançasse em movimentos estratégicos. No dia a dia, é inspiração para mulheres, especialmente às ligadas ao empreendedorismo. 

Na liderança de Renata, o Grupo CRM chegou a 1,1 mil lojas e faturamento na casa de R$ 1,5 bilhão. A expectativa da empresária é triplicar o tamanho da companhia até 2026. 

Meta que ganha impulso após a aquisição do Grupo CRM pela Nestlé, celebrada no segundo semestre do ano passado. Mesmo com a transação, nada muda no modelo de negócio da companhia, que continua nas mãos de Renata. Em entrevista à Revista ACIM, Renata falou sobre os desafios e a expectativa de crescimento do segmento de chocolates e do Grupo CRM:

 

Você começou a trabalhar como estagiária. Depois passou pela diretoria de marketing e comercial, vice-presidência até chegar à presidência do Grupo CRM em 2020. Qual a importância desta trajetória para se tornar a líder que é?  

Eu me preparei para estar na cadeira que ocupo hoje conhecendo a companhia de perto, todos os detalhes, departamentos, colaboradores. Essa visão aprofundada do negócio é fundamental para projetar a visão de futuro da companhia.

 

Como avalia a presença de herdeiros trabalhando desde novos nos negócios da família? 

Depende muito do perfil da pessoa. Se o objetivo for, de fato, herdar o negócio, não apostaria no sucesso. Mas se o objetivo for uma sucessão estruturada, com prazo definido para a passagem do bastão e, nesse intervalo, houver disposição para entender o negócio, conhecer o mercado e vislumbrar possibilidades de fazê-lo crescer e prosperar, aí sim. Um negócio a gente não herda. Se for este o objetivo, é melhor contratar gente competente, capaz e dedicada para tocar. Negócio a gente constrói e multiplica, não precisa ser do zero, mas precisa ser todo dia um pouco. 

 

No seu caso, houve incentivo para entrar para o negócio da família ou foi uma escolha? 

Eu escolhi. Desde muito cedo já tinha meu plano traçado e queria começar a trabalhar jovem, conquistar as minhas coisas e o meu espaço. 

 

Qual considera ter sido sua maior contribuição para o grupo? 

Desde que assumi a liderança, a companhia triplicou de tamanho, então acho que ver o negócio da minha família crescer sob a minha perspectiva de liderança e empreender tantos movimentos estratégicos do mercado, é sinal de que fiz a lição de casa e estou honrando o legado que me foi entregue.

 

E qual foi seu maior desafio?

Sem dúvidas o período da pandemia. O negócio teve que ser reinventado em tempo recorde para permanecer forte e crescendo. Foi um período desafiador, mas de aprendizados incomparáveis.

 

Sob sua responsabilidade foram criadas as marcas Brasil Cacau, em 2009, e Kop Koffee, em 2019. Por que tomou a iniciativa de ampliar o portfólio do grupo? 

A Brasil Cacau eu criei porque havia uma demanda surgindo para chocolate de qualidade sob um viés mais democrático, e como empresa queríamos surfar essa onda, mas sem flexibilizar o território da Kopenhagen, que sempre foi voltado para o público A. Então para blindar a Kopenhagen, criamos a Brasil Cacau, que é um enorme sucesso. A Kop Koffee foi criada porque entendemos que o território de cafeterias precisava ser explorado de uma maneira diferenciada, e estamos conquistando esse espaço do jeito que planejamos.

 

Como vê o mercado de chocolate e sobremesas brasileiro no futuro?

Com a expectativa de que teremos um crescimento mais acelerado nos próximos anos. O brasileiro é fã de doce. No ano passado atingimos o consumo de 3,6 quilos de chocolate por pessoa, isso é muita coisa. Então temos convicção de que esse mercado ainda vai crescer e expandir pelos próximos anos.

 

Sua gestão à frente do grupo é marcada pela inovação. Quais as principais inovações e mudanças que elas trouxeram?

Acredito que eu trouxe um novo olhar para os nossos clássicos, inovando em formatos e carregarias. Coloquei o negócio no mapa digital do Brasil, ao mesmo tempo em que fortaleci os pontos físicos e empreendi uma expansão disruptiva. Inovamos em movimentos de marca, em prospecção e conquista de territórios e sempre fugimos do óbvio em todas as iniciativas.

 

Quais metas ainda pretende alcançar? 

No momento estou focada e trabalhando para, até 2026, triplicar o tamanho da companhia.

 

Empreender é o sonho de muitos brasileiros. O que considera fundamental para ter sucesso no empreendedorismo? 

Resiliência, disciplina e muita força de vontade para assumir as rédeas e fazer acontecer. As pessoas que empreendem com a falsa sensação de que vão ‘trabalhar menos’, vão controlar o tempo ou coisas assim não vão prosperar porque é justamente o contrário. Quem empreende trabalha mais, se desafia mais, tem que se adaptar e se desdobrar em papéis. Em suma, tem que estar realmente disposto a muitas vezes atravessar o deserto sozinho e descalço, mas vale muito a pena.

 

Como avalia a participação e a presença das novas gerações no mercado de trabalho?

No Grupo CRM temos um programa de trainee que revela talentos. A força da juventude sempre vai ser uma veia que pulsa inovação, criatividade e energia, atributos fundamentais para qualquer negócio. Aqui os jovens sempre vão encontrar oportunidades.

 

Em setembro passado, a Kopenhagen foi adquirida pela Nestlé. Como avalia o fechamento deste negócio e quais mudanças esta transação traz para o grupo? 

Nada muda porque seguiremos como um negócio standalone, não haverá interferência direta no nosso negócio.

 

Como vê o espaço ocupado pelas mulheres em cargos de liderança no mercado corporativo? 

Ver outras mulheres em cargos de liderança é maravilhoso. Luto todos os dias para que as nossas meninas não precisem trilhar um caminho tão árduo como a minha geração trilhou até a liderança. Estamos no caminho certo. 

 

Chegou a ter dificuldade para exercer a sua opinião ou ocupar seu espaço, impondo ideias pelo fato de ser mulher? 

Não, porque nunca permiti que o preconceito me calasse. Busquei nos meus resultados toda a argumentação que eu precisava para conquistar o meu espaço, mas não foi fácil. O preconceito existe e ele machuca, mas não podemos nos deixar abater, precisamos seguir firme, suportando o processo para viver o propósito.

 

Como concilia a vida de mãe, esposa e empresária?

São muitos pratinhos para equilibrar, mas a melhor forma que encontrei é sempre estar inteira em cada papel. Se estou em casa com a minha família, o trabalho fica em segundo plano. Se estou no trabalho, as pendências familiares precisam esperar. Não é fácil, mas é possível. O importante é sempre priorizar a nossa base que é a família e, a partir daí, compartimentar esses papéis nos intervalos de tempo.