Jéferson Ferreira, que comandou a negociação entre Uniasselvi e Unicesumar: foi uma combinação de negócios com a venda sem a negociação dos ativos mobilizados
No mundo dos negócios é comum ouvir que ‘o céu é o limite’. Contudo, na prática, muitas empresas crescem, prosperam e chegam a um patamar em que não conseguem mais expandir. Neste momento, enquanto alguns empresários se dão por satisfeitos com o que construíram, outros pensam que nunca é hora de parar de crescer, porque não querem apenas construir uma empresa rentável, mas um legado.
Mas o que fazer para se tornar um grande player ou ditar tendências? Não raro, empresas com grande potencial acabam estagnadas, seja por falta de recursos ou de estratégias definidas. É nesse aspecto que as parcerias podem propiciar um crescimento estruturado e seguro. Operações como fusões, incorporações e combinação de negócios são algumas possibilidades.
Foi por meio de uma operação de combinação de negócios que surgiu o maior grupo de ensino a distância do Brasil, consolidado com a aquisição da Unicesumar pela Vitru, empresa que detinha a marca Uniasselvi. Segundo o executivo Jéferson Vinhas Ferreira, que comandou a operação, em 2019 a Unicesumar era a sexta maior instituição de ensino do país. A posição era desconfortável porque, apesar de ser maior que a média das empresas do mercado, estava longe de gigantes como a Cogna, com quase um milhão de alunos. Era hora de dar um passo maior.
Com 320 mil alunos na educação a distância (EAD) e quase 350 vagas de Medicina no modelo presencial, a Unicesumar se colocava como um dos melhores ativos do mercado. Mas qual modelo de negócio seguir? Segundo o executivo, havia opções para um crescimento estruturado, como aquisições, abertura de capital na bolsa ou mesmo a venda da empresa. “Era preciso um movimento para a empresa se perenizar. E esse movimento foi o que se convencionou chamar de combinação de negócios, que é a venda da empresa sem a negociação dos ativos mobilizados, como os prédios”, conta Ferreira, que atua há 20 anos em gestão financeira de instituições de ensino.
Como a oferta chamou a atenção do mercado, foram escolhidas as melhores empresas de auditoria e consultoria do país para dar suporte às negociações. Entre executivos e assessores, mais de cem pessoas trabalharam para que o negócio se concretizasse. O valuation da Unicesumar ficou entre R$ 2,7 bilhões e R$ 3,2 bilhões. Quatro empresas apresentaram propostas oficiais, prevalecendo a da Vitru, que pagou o preço máximo.
A operação foi fechada em agosto de 2021 e teve a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em maio deste ano. A aquisição da Unicesumar foi a maior transação do mercado educacional.
Após a transação, o grupo soma mais de 800 mil alunos em quase dois mil polos em vários estados. Com isso, ocupa o posto de maior instituição de EAD do Brasil. O objetivo agora é alcançar a marca de um milhão de alunos no início de 2023, o que a tornará a maior instituição de ensino do país, somadas as modalidades EAD e presencial.
As operações das duas marcas estão centralizadas, mas elas seguem atuando separadas, haja vista as características e posicionamento de mercado de cada uma – a Unicesumar, por exemplo, tem um caráter premium, com um tíquete médio maior.
União de gigantes
O sonho de construir um legado foi o que moveu Dirley Ricci. Num mercado extremamente competitivo, poucos imaginavam que ele viria a ser sócio de uma das maiores empresas de locação de veículos e gestão de frotas do mundo. O empresário, que se formou em Administração na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e começou a empresa com 12 carros para locação, lá em 1993, participou ativamente da fusão entre a Localiza e a Unidas, líderes do segmento.
Localiza juntou sua liderança no mercado de locação de veículos para pessoas físicas à especialidade de locação de frotas da Unidas, conta Dirley Ricci
Ricci, criador da locadora de automóveis Ricci, conhecia o processo de fusão. Foi por meio desse modelo de negócio que a Ricci virou Locamérica. A empresa abriu o capital e, em 2018, adquiriu a Unidas, outra gigante do setor, tornando-se, então, a segunda maior locadora de veículos e a primeira em locação de frotas da América Latina.
A nova empresa crescia a passos largos, mas estava atrás no mercado de locação de veículos para pessoas físicas, dominado pela Localiza. Por outro lado, a Localiza almejava aumentar a participação na locação de frotas, especialidade da Unidas. “Os fundadores identificaram semelhanças na cultura das empresas, bem como as sinergias potenciais associadas à fusão da líder em aluguel de carros com a líder em gestão de frotas, criando um player com tamanho global”, conta o empresário.
Assim, iniciaram-se as conversas para a fusão. Ricci fez parte do colegiado da Unidas. A operação contou com o apoio de consultoria de bancos, advisors, especialistas em direito concorrencial e especialistas em fusões e integração. A transação foi composta essencialmente pela troca de ações e por uma parcela no valor de R$ 425 milhões pagos aos acionistas da Unidas. Ao fim da operação, 22% da nova organização ficou nas mãos de acionistas da Unidas e 78% nas mãos dos antigos acionistas da Localiza. O negócio foi aprovado pelo Cade em junho.
Após a fusão, o valor de mercado da empresa atingiu R$ 60 bilhões. O lucro combinado foi de R$ 3 bilhões. Atualmente, a empresa conta com frota de 500 mil veículos, 650 agências, 190 lojas de seminovos e aproximadamente 16 mil colaboradores.
Ricci, que ocupa a diretoria executiva de compra de veículos, é o responsável pelo relacionamento com os fabricantes. Segundo ele, a empresa quer diversificar para continuar crescendo: “vemos grandes oportunidades em diversos segmentos nos quais pretendermos investir de forma simultânea, como aluguel diário para turismo, aluguel para motoristas de aplicativo, ampliação da gestão de frotas e aluguel de carros por assinatura. Além disso, vemos oportunidade em veículos pesados e na internacionalização”, conclui.
Negócios online
O comércio online no Brasil triplicou o faturamento entre 2016 e 2021, chegando a R$ 150 bilhões só no ano passado. De acordo com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico, quase 80 milhões de brasileiros usaram o celular ou o computador para fazer suas compras no ano passado. E o número de compradores online pode chegar a 100 milhões nos próximos cinco anos.
“Priorizamos ter empresas com o mesmo fit cultural e que tinham um sonho de construir um projeto global”, conta Rodolfo Helmbrecht, do Anymarket sobre fusões com negócios uruguaio e chileno
Visando a esse gigantesco mercado, o Grupo DB1, um dos maiores do país em soluções tecnológicas, criou, em 2015, o Anymarket, um software que permite que clientes administrem várias contas em diferentes marketplaces, como Mercado Livre e Americanas, em um só ambiente. Nele, o empresário pode controlar estoques em todos os ambientes online em que tiver anunciado seus produtos, além de publicar anúncios simultâneos e centralizar sistema de fretes.
No começo, o chamado ‘hub de integração’ contava com clientes de Maringá e região. Com o produto validado, ele foi apresentado no Fórum E-commerce Brasil, maior evento do segmento na América Latina. De lá saíram grandes parcerias, como a realizada com a Livraria Saraiva.
E não parou por aí. A empresa queria expandir, e clientes como o Mercado Livre, que não possuíam soluções nos moldes do Anymarket fora do país, viram na ferramenta a possibilidade de entrar em outros mercados. Assim, em 2020, a equipe do Anymarket passou a colocar em prática o projeto de internacionalização, baseado no modelo de fusões. A primeira com a uruguaia Sagal, que atuava em toda a América Latina, e depois com a Centry, líder no mercado chileno e com clientes no Peru e na Colômbia.
As operações foram realizadas pela consultoria jurídica do grupo DB1, que atuou na formalização dos contratos e na auditoria das empresas. “Após o processo, nos posicionamos como principal plataforma de integração com marketplaces na América Latina, oferecendo uma solução única para players globais e capacidade de ajudar nossos sellers a expandir suas operações”, conta o CEO do Anymarket, Rodolfo Helmbrecht.
O Anymarket trabalha com o modelo de implantação acompanhada, no qual o cliente paga um valor para ter o acompanhamento dos profissionais da empresa até iniciar as vendas. Os planos variam de R$ 399 a R$ 5 mil, dependendo da necessidade e volume de vendas.
A empresa deve fechar o ano com mais de R$ 50 milhões de faturamento anual, mais de 1,5 mil clientes e R$ 10 bilhões em vendas processadas na plataforma. Helmbrecht conta que, no processo de fusão, a sinergia é a chave para o sucesso: “O grande desafio foi encontrar empresas que pensavam e agiam como nós. Priorizamos ter empresas com o mesmo fit cultural e que tinham um sonho de construir um projeto global, oportunizando que os sócios-fundadores permanecessem atuando no negócio e no projeto”.
Momento certo
As perspectivas para o mercado de fusões e aquisições são promissoras. De acordo com o sócio-fundador da Stonecapital, Elisandro Vargas, o número dessas transações no país pode chegar perto de duas mil este ano. É praticamente o dobro das operações realizadas em 2019.
Elisandro Vargas, da Stonecapital: “é imprescindível a realização de uma due diligence na empresa a ser adquirida para validar informações contábeis, fiscais, financeiras, técnicas, operacionais e legais”
Com mais de 15 transações relevantes nos últimos três anos, entre as quais as negociações envolvendo Unicesumar, Aldo Solar e AiqFome, Maringá vem se tornando um grande mercado de fusões e aquisições. Isso fez a Stonecapital, consultoria especializada em fusões e aquisições para empresas de médio e grande portes criada em 2011, em Caxias do Sul/RS, abrir um escritório na cidade. “Maringá e região são pontos estratégicos pela vocação empreendedora multissetorial e pelo grande número de empresas, de setores que vão do agronegócio à tecnologia. Por termos em nosso DNA a cultura de estar próximos aos clientes, a chegada em Maringá foi uma consequência natural da expansão das nossas atividades”, conta Vargas.
Mas qual é o momento para uma fusão ou aquisição? “O estigma de que somente são vendidas empresas em dificuldades financeiras, que não têm outra saída a não ser a venda, vem sendo transformado por um novo conceito, em que os investidores preferem comprar empresas em plena operação e no seu melhor momento financeiro”, diz o especialista.
Já o momento ideal para realizar uma aquisição é aquele em que o empreendedor enxerga que pode crescer em seu mercado ou em mercados complementares. Para isso, é essencial que o empresário tenha domínio completo do negócio, disponha de informações sobre o mercado e que tenha capital para investir na aquisição, além do alinhamento cultural entre comprador e empresa em que ele está investindo.
Essas operações levam entre seis meses e 12 meses e é importante a contratação de profissionais especializados para conduzir os processos. São os assessores financeiros e jurídicos que vão desenvolver e estruturar a negociação. “Além disso, é imprescindível a realização de uma due diligence na empresa a ser adquirida para validar informações contábeis, fiscais, financeiras, técnicas, operacionais e legais, para mitigar todos os riscos de contingências da operação”, diz Vargas.