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Na economia um novo normal virou um novo anormal

Na economia um novo normal virou um novo anormal

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Depois de dois anos turbulentos por causa da pandemia da covid-19, o ano de 2022 chegou acenando para a retomada da normalidade. Só que o tão aguardado ‘novo normal’ ficou na promessa, ao menos no que diz respeito à economia, segundo o economista Luiz Gustavo Medina, o Teco Medina.

Isso porque, explica o colunista da Rádio CBN, a economia brasileira está sob o impacto de três eventos importantes e raros de ocorrer concomitantemente: alta global da inflação, guerra na Ucrânia e eleição presidencial. “O que era para ser um novo normal virou um novo anormal”, diz ele, que é formado em Finanças pelo Insper e tem no currículo mais de 20 anos de atuação no mercado financeiro. 

Teco Medina falou sobre este ‘novo (a)normal da economia’ para os participantes do Ciclo de Palestras CBN, realizado em 11 de julho, em Maringá. Em entrevista à Revista ACIM, o economista falou ainda sobre finanças domésticas e deu dicas de investimentos.

a inflação é uma preocupação global. No Brasil, o que podemos esperar até o fim do ano?

A boa notícia é que a inflação, provavelmente, fez pico em junho. Teve deflação em julho e deve ter em agosto. A má notícia é que vai ficar alta. Em dezembro, deve estar mais ou menos em 7%, no máximo 7,5%. Provavelmente o ano que vem será um pouco menor, mas à custa de crescermos menos. 


Os bancos centrais mundo afora têm elevado a taxa de juros. Como deve ser a atuação do nosso Banco Central? 

O nosso está à frente dos demais. Subimos juros muito antes de todo mundo, aliás, tivemos um ciclo fortíssimo de alta. Em agosto deve ter sido a última alta. Já em 2023 os juros devem cair porque a inflação começa a arrefecer neste segundo semestre e provavelmente no ano que vem. Todo mundo sofre com a inflação, e ela está mais alta e persistente do que se imaginava. No início de 2021, os bancos centrais falavam que era um ciclo temporário, um problema na cadeia produtiva e que logo assentaria, mas não foi o que aconteceu. No Brasil, a inflação ficou acima de dois dígitos por muito tempo, e só para um dígito em agosto baixou.


Qual a consequência de crescimento econômico mais inflação? 

Não adianta ter crescimento com inflação porque se dá dinheiro numa mão e tira de outras duas. O brasileiro já começou este ciclo endividado, e aí veio a pandemia e derrubou a renda de muitos. Veio a inflação e bagunçou de vez. O fato é que a despesa subiu e a renda não acompanhou. Isso vai demorar para se reverter. É preciso que a economia cresça e a inflação ceda para que as pessoas voltem a ter um orçamento um pouco mais equilibrado. Esta é a parte mais difícil ou longa de ser corrigida porque é preciso, concomitantemente, gerar empregos, gerar salários melhores e baixar a inflação. O brasileiro deve ter perdido uns 15% de poder de compra nos últimos 18 meses. Uma perda entre 5% e 10% ainda dá para fazer ajuste. Quando passa deste nível não tem o que fazer. Tem gente que perdeu até 30% do poder de compra. Num tombo deste é difícil organizar o orçamento. É parar de comer, mudar de casa ou tirar alguém da escola. Há aqueles que tentam ir driblando e empurrando para o mês seguinte tentando achar uma solução, mas não tem mágica.


A disputa eleitoral que se aproxima tem impactado a economia brasileira?

Por enquanto, muito pouco. Talvez pelo fato de acreditarmos em um segundo turno e termos, pela primeira vez na história, dois candidatos que já foram presidentes: Bolsonaro e Lula. Isso diminui um pouco o grau de incerteza, e também de esperança porque já se sabe o pior e o melhor cenário dos dois.  


A redução do preço dos combustíveis não foi um esforço do governo pensando na eleição?

Tudo é o governo pensando na corrida eleitoral. O que discordo um pouco das críticas ao governo neste momento é que as pessoas estão ignorando o fato de haver uma guerra. Não dá para lidar com um fato deste tamanho usando as ferramentas de sempre. O preço do petróleo subiu 50% este ano, isto afeta gás, gasolina, diesel. Todos os países estão tentando amenizar o impacto à população. O Brasil tem que tentar também. 


O dólar tem operado acima dos R$ 5. Há previsão de recuo?

O dólar tem oscilado bastante porque tem acontecido muita coisa aqui e lá fora. Toda vez que há uma indicação ruim no governo, a moeda americana sobe. O dólar subiu mais de 10% em junho quando se começou a discutir a PEC para furar o teto de gastos. Por outro lado, há uma guerra opondo dois países grandes e produtores de itens importantes, como petróleo, gás, fertilizantes, alimentos. De um lado está a Ucrânia que não consegue exportar os alimentos. Do outro, há as sanções impostas à Rússia, que na verdade se voltam contra os demais países porque está se tirando de 10% a 12% da oferta desses produtos no mercado e não se consegue substituí-los, então o preço explode.  


Dá para fazer uma previsão para os próximos meses?

Penso que o dólar deveria estar abaixo dos R$ 5, mas há nele componentes que não podem ser desprezados que são a proteção e o medo, porque temos uma eleição, há uma guerra, tem-se uma PEC para aumento de gasto público, que é por seis meses, mas no Brasil sempre acaba se tornando permanente. Diante disso, os investidores ou qualquer pessoa pensam: vou segurar esse dólar um pouco porque pode ser que a coisa piore. Por isso faz sentido que, ao menos até as eleições, o dólar fique mais alto do que deveria. 


Em julho, pela primeira vez em 20 anos, o euro atingiu o mesmo valor do dólar. O que explica esta paridade entre as moedas?

De forma simplista, isso reflete o declínio da Europa como grupo econômico. A zona do euro é uma ideia legal em termos de geopolítica, facilidades e livre comércio, mas na prática é fazer uma grande torre de babel. Coloca-se uma Alemanha, que é uma potência industrial, com contas em ordem e moeda forte, junto à Grécia, que está em frangalhos. Põe a Itália, com uma dívida superalta, ao lado da França, que é contra várias medidas. O resultado é que a Europa tem crescido menos do que os Estados Unidos nos últimos tempos, e provavelmente crescerá para sempre menos. Neste momento, os juros subiram no mundo inteiro, menos na Europa. E os juros altos fortalecem a moeda. Por fim, a guerra pega a Europa em cheio. Todo o gás que a Alemanha consome vem da Rússia, e a Rússia está ameaçando fechar a torneira e gerar um problema enorme para os alemães. Logo, se a Europa é pior do que os Estados Unidos, a moeda não pode ser mais forte. 


Tem reflexo para o Brasil?

Pode impactar se o Brasil souber aproveitar já que, em termos absolutos, o país não ficou melhor do que era no início do ano, mas, em termos relativos, talvez sim. O cenário mostra a Rússia e a China e do outro, a Europa e os Estados Unidos. Com todas estas sanções e movimentações, talvez surjam dois blocos geopolíticos de novo, pelo menos em comércio. E dos Brics [agrupamento de países de mercado emergentes], o Brasil está em melhor posição, já que a Rússia está em guerra, a China apoia os russos, a Índia está pior do que o Brasil e a África do Sul sofre com a inflação. Então o Brasil pode virar um porto mais seguro e interessante aos investidores, principalmente porque o mundo está clamando por alimento e energia, e não tem ninguém que produz mais alimentos do que nós e tem possibilidade de produzir energia. 


E para isso acontecer, o que é preciso?

É preciso que o governo não atrapalhe e crie um ambiente de negócios melhor. O ambiente no Brasil melhorou um pouco, mas ainda é muito ruim. A Justiça demora, as leis são difíceis, existe burocracia, uma ideia de que tudo é mais complicado do que precisaria. O governo poderia ajudar com infraestrutura, e isso tem sido feito por meio de concessões e leilões, mas poderia fazer mais rápido. Poderia fazer a reforma tributária, que ajudaria as empresas a melhorar a dinâmica dos negócios e tornaria o país mais atraente para investidores e empresas estrangeiras, que chegariam com capacidade para gerar emprego e renda. O Brasil ainda é um país muito difícil de fazer investimento. Tem-se ainda a síndrome da canetada, que corta um imposto e cria outro. Daí da noite para o dia a empresa perde 5%, 10% de margem de lucro. 

Como o empresário local se programa diante deste cenário? 

O empresário brasileiro já se acostumou com tudo, mas sem previsibilidade é difícil. Muitos, provavelmente, estão aguardando a eleição passar para decidir se farão investimento ou não. O que precisamos é ter mais política de estado e menos política de governo. O controle da inflação, por exemplo, virou uma política de país depois que foi debelada. Seja quem for o próximo presidente, ele estará comprometido em manter a inflação o mais baixo possível, porque já ficou provado que é um problema enorme quando a inflação sobe. Precisamos ter este pensamento para fazer reformas, tornar o ambiente de negócio melhor, investir em infraestrutura, que é algo importantíssimo para o crescimento do país. Também é preciso melhorar a geração de energia e barateá-la. Agora está chegando o 5G, mas a internet no Brasil ainda é dispare. Precisamos de governos que entreguem para o próximo governo um país melhor do que recebeu. 


E para quem tem dinheiro, qual é o melhor investimento? 

Os juros altos remuneram qualquer investimento, sem ou de baixo risco, muito bem. Quem investir em qualquer tipo de tesouro direto, CDB ou produto de renda fixa vai ganhar 13%, 14%, 15% ou até 16% ao ano.

 

A bolsa é um bom negócio neste momento? 

As ações estão baratas neste momento. Pelo nível de saneamento que as empresas foram obrigadas a fazer nos últimos anos, elas estão muito redondas, baratas, gerando lucros atraentes. Porém, tem-se uma alta de juros que direciona o dinheiro para renda fixa. A guerra também tira dinheiro das ações. E por último temos eleições no Brasil, que não tiram dinheiro das ações, mas selecionam, uma vez que dos dois candidatos principais, é possível enxergar quais setores se beneficiarão ou se prejudicarão dependendo de quem assuma. Nessa soma, a bolsa está em queda. 


E os imóveis?

O setor imobiliário é um dos que tem problemas neste momento. A expectativa para quem compra é boa porque os preços não estão mais altos. O problema é que a maioria das pessoas compra imóveis financiados e os juros do financiamento imobiliário, embora não tenham subido tanto quanto a Selic, estão mais altos do que estavam há um ou dois anos. E quando o juro sobe, encarece não só o preço final do imóvel, mas às vezes a parcela não cabe no bolso.