Para atender o consumidor pós-pandemia é preciso eficiência logística e investir em omnichannels, destaca o professor Caio Braga Netto, da Fundação Dom Cabral
Divisor de águas no varejo mundial, a pandemia da covid-19 acelerou mudanças nos hábitos de consumo. A falta de alternativas levou desconfiados a ceder de vez às compras online, enquanto os já adeptos do formato intensificaram o uso. Esse movimento fomentou o investimento em tecnologias e favoreceu o surgimento de soluções digitais.
Para o professor na Fundação Dom Cabral, o engenheiro e especialista em Marketing Caio Braga Netto, temas abordados na edição de 2022 da maior feira mundial do varejo, a Retail’s Big Show, realizada pela NRF (National Retail Federation), a maior associação comercial do mundo, atestam a existência de um varejo pré e de outro pós-pandemia. O evento, que ocorreu em Nova Iorque, atraiu varejistas do mundo todo para acompanhar o aprofundamento de temas como automação, conveniência, retenção de clientes, sustentabilidade e metaverso – solução que une realidade virtual, realidade aumentada e internet.
Os consumidores não são os mesmos, por isso os negócios que ainda não acompanharem as transformações predominantemente digitais vão ficar para trás. “A presença online é fator de sobrevivência, ter e-commerce, estar inserido num marketplace ou ter o seu próprio, relacionar-se com os clientes pelas redes sociais, atuar em plataformas móveis como smartphones, conhecer os hábitos de consumo dos clientes etc não são mais uma opção, mas uma condição para a atuação no ambiente de negócios”, diz.
Para sobressair nesse jogo, o professor indica a eficiência logística, com entregas rápidas e qualidade. A relevância é a mesma para a gestão da informação (gestão data-driven), estratégia utilizada para conhecer os clientes, o que compram, com que frequência, a que preço e em quais canais de vendas, para obter informações para incrementar a entrega de valor. Braga Netto menciona ainda a implantação dos omnichannels.
Lições da NRF
Google e Ralph Lauren provam que as operações físicas não vão acabar e deixam evidente a tendência do omnichannel. A multinacional de serviços online e software abriu a primeira loja física em 2021, enquanto a gigante da moda abriu 80 lojas físicas no mesmo ano. Segundo o CEO da marca, Patrice Louvet, as fichas não estão depositadas apenas no modelo físico, fazendo referência aos investimentos feitos em multicanais integrados.
Por meio dessa estratégia, as empresas podem comercializar por app nos smartphones dos consumidores, que por sua vez podem buscá-los nas lojas físicas. Ou podem provar um produto presencialmente para adquiri-lo pelo e-commerce. Debates e cases em torno do omnichannel na NRF, contudo, mostraram que o tema vai além da simples integração entre o físico e e-commerce, exigindo a implementação de soluções em prol de experiências profundas aos consumidores.
“A loja física gera tráfego para o digital e vice-versa. Uma perspectiva de trabalho é estar perto da comunidade. As pessoas querem comprar sem andar muito”, diz Cláudia Michiura, do Maringá Park
“A loja física gera tráfego para o digital e vice-versa. Uma perspectiva de trabalho é estar perto da comunidade. As pessoas querem comprar sem andar muito. É oferecer algo para quem está ao seu lado”, diz a superintendente do Maringá Park Shopping Center, Cláudia Michiura, que participou da feira pela segunda vez.
Foram cinco dias de aprendizado com mais de 300 palestrantes e visitas técnicas. “É uma imersão no varejo, como se fosse um MBA em cinco dias. Assistimos a palestras e a cases das maiores indústrias e varejistas do mundo. É um momento de conexão, conhecimento e relacionamento. É uma oportunidade de respirar varejo”, relata Cláudia.
Mirando as novas gerações, a Z e a Alpha, a superintendente diz que ideias relacionadas ao metaverso serão exploradas pelo shopping à medida que surgirem os próximos capítulos desse tipo de tecnologia. Enquanto isso, o foco está em outras temáticas: engajamento e centralidade no cliente. “Ficam o reforço sobre a importância da experiência do consumidor, engajamento, centralidade, inovação e velocidade. O mundo não é dos maiores, mas dos mais rápidos”, comenta. “Cada indivíduo tem que ser tratado como especial. Temos buscado isso no shopping com lojistas e parceiros estratégicos, além de oferecer facilidades em compras e de empoderar clientes e colaboradores. É preciso dar voz e vez aos colaboradores, ter a confiança deles, agir com transparência e propósito social”, complementa.
Diversidade, equidade, responsabilidade social e ambiental também foram enfatizadas na feira e já vêm sendo aplicadas pelo shopping. O negócio pratica ações sociais e de ESG (ambiental, social e governança, em português). Isso para contribuir com a preservação do planeta e para atrair consumidores mais preocupados com a responsabilidade socioambiental das empresas.
Fidelização
Luiz Filipe Gonçalves, gestor da Akirede, investirá em um programa de fidelidade, com cupons de desconto para gerar dados de compra e oferecer produtos e serviços de forma individualizada
Luiz Filipe Gonçalves, gestor da Akirede, do Grupo F.A. Maringá, foi à NRF Big Show deste ano e focou sua participação na experiência do consumidor. “A pandemia trouxe mudanças para as lojas físicas. Não é que elas vão precisar migrar para o e-commerce, mas devem passar a enxergar os dois universos como um só. Uma loja de roupas, por exemplo, pode se tornar um provador virtual”, diz.
O gestor conta ter visto por lá que grandes centros estão desenvolvendo modelos de vendas não tradicionais, incluindo a gamificação para fidelizar o cliente, fazendo ofertas de acordo com o perfil e hábito e aplicando realidade virtual em modelos de compras.
Além do aprendizado geral sobre tecnologias revolucionárias, Gonçalves trouxe na bagagem as tendências em produtos e serviços que serão aplicadas na empresa. De acordo com ele, as marcas de colchão e do ramo têxtil que fazem parte do negócio prezam pela experiência e a fidelização do cliente. Por essa razão, já deu início à construção de programas que reforcem a relação do cliente com as marcas. “Queremos que o cliente se identifique conosco, que faça sentido para ele, que seja bem-atendido e de forma rápida.”
Gonçalves explica que os consumidores compram colchões a cada cinco, dez anos, por isso, é grande o desafio de construir um programa de fidelidade para este público. Se para este nicho a concretização de um programa de fidelidade demandará mais tempo, estratégias estão sendo criadas para o segmento de confecção do grupo. Uma delas será a geração de cupons de desconto e, consequente, uso de dados de compra para oferecer produtos e serviços individualizados. “A ideia é colocar o programa para funcionar ainda este ano. Pretendemos trabalhar a fidelização tanto no canal de venda online quanto nas revendedoras multimarcas”, diz Gonçalves.
De modo geral, Gonçalves está otimista com o varejo neste ano, bem como os CEOs que participaram da feira. Ele tem em conta que o negócio precisará ser flexível, ágil, adaptável e valorizar a cultura de cuidar do cliente, tudo isso aplicando tecnologia e humanização no atendimento.
Para ficar de olho
O novo consumidor valoriza a experiência com a marca, e não apenas o produto e serviço, o que exige uma grande mudança das empresas, aponta a consultora Patricia Santini, do Sebrae
De acordo com pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), divulgada no início de 2021, há mais de 17 milhões de pequenos negócios no Brasil. O estudo mostrou que o impacto da pandemia fez com que 70% passassem a utilizar serviços de internet.
As empresas se conectaram e conseguiram alcançar os clientes, mas precisam considerar que eles estão mais antenados em relação à imagem das marcas e nas inovações. “Já pensou em como sua marca é vista pelo cliente? O que ela devolve para a sociedade e o meio ambiente? Para uma parte dos clientes, isso faz todo sentido na hora de escolher de quem comprar”, pontua a consultora do Sebrae Paraná, Patricia Santini.
Patricia enfatiza o customer centric, conceito que significa centralizar o planejamento estratégico no cliente. Entra em cena a valorização da experiência, sendo que o problema deixa de ser apenas a comercialização de produtos e serviços. “Isso é uma grande mudança. Qual a experiência que a marca oferece ao cliente? Tem contato somente na venda ou mantém relacionamento duradouro e lucrativo? Com essa dinâmica, é possível conhecer a necessidade dos clientes e continuar ofertando soluções. Pode-se começar com simples exercícios de escuta ativa dos funcionários para as objeções dos clientes”, aconselha.
Um bom atendimento via WhatsApp, com competência e agilidade, para a retirada do produto da loja, segundo Patricia, ilustra que o porte do negócio não é preponderante para se dar bem na nova era.
A consultora ressalta que, atravessando todas as tendências, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) deve ser cumprida pelas empresas para evitar sanções e cuidar da imagem do negócio. Ela exemplifica que é preciso ter autorização para uso de fotos de clientes, dados, entre outros cuidados. “O cliente deve ter clareza do que a empresa fará com suas informações”, frisa. A consultora diz ainda que o vazamento de dados pode gerar transtornos irreversíveis para a empresa, por isso a aplicação de recursos em segurança cibernética deve ser vista como investimento.