Hiro Protagonist vivia duas realidades: na vida real era um entregador de pizza, enquanto no mundo virtual, um hacker samurai. A história é do personagem da ficção científica “Snow Crash”, do escritor Neal Stephenson, publicada em 1992. Foi quando apareceu pela primeira vez o termo metaverso – algo como “além do universo”.
Para alguns, o metaverso já saiu dos livros de ficção. O assunto virou febre em 2021 depois que Mark Zuckerberg anunciou a mudança de planos rebatizando o Facebook de Meta. Já a Microsoft divulgou que a compra de jogos como o Activision Blizzard, por US$ 69 bilhões, a maior da história da empresa, também tem como pano de fundo esse mercado.
Existem várias definições para metaverso, mas, em geral, o conceito significa um ambiente virtual coletivo, hiper-realista, que permite experiências imersivas. Imagine entrar em um jogo e vivê-lo por dentro, só que um jogo da vida real. Com seus avatares em 3D, as pessoas poderão fazer compras, estudar, viajar, trabalhar, participar de desfiles e shows, fazer investimentos, trocar de carro e uma infinidade de ações interativas.
Também compreendido como uma evolução da atual internet, o metaverso depende de tecnologias e equipamentos ainda limitados a algumas empresas e usuários. Mas a expectativa de crescimento é impressionante: até 2020, esse mercado pode atingir US$ 13 trilhões, cerca de R$ 60 trilhões, segundo o Citibank.
Se jogos como Roblox e Fortnite parecem aproximar um público específico desse universo paralelo, iniciativas como as da Universidade Federal do Paraná (UFPR) mostram que o metaverso está mais ‘popular’ do que parece. É que a instituição utiliza a plataforma Horizon Workroom, da Meta, para ministrar cursos no ambiente revolucionário.
Na dúvida, esteja preparado
Para o consultor, palestrante, autor e professor Victor Mirshawka, da Fundação Dom Cabral, embora não se possa afirmar que o metaverso é inevitável, o cenário é muito provável. “No lugar de empresa, eu preferiria me preparar do que esperar acontecer e chegar atrasado”, diz. Ele observa que a ideia de metaverso permite imaginar usos tanto do ponto de vista pessoal quanto do empresarial, desde que as empresas ofereçam manifestação digital dos produtos que vendem.
A Nike lançou tênis criptodigitais e a Adidas, coleções exclusivas para o metaverso. Mercedes-Benz, Tesla e Rolls-Royce criaram carros para esse mundo virtual. Grifes famosas como Gucci, Dior e Balenciaga fizeram ‘metadesfiles’. A cervejaria Stella Artois tem promovido corridas de cavalo em experiência imersiva, enquanto a Mastercard fala em criptocrédito.
“Imagine uma loja que só vende produtos físicos. Será preciso pensar estrategicamente para aumentar a venda, o lucro e a rentabilidade. Para isso, o empreendedor deverá repensar o repertório e inovar, o que tem a ver com a ideia de manter a mentalidade de aprendizado. Isso tudo vai consumir inteligência e criatividade”, diz o professor. O que não deve mudar será o conceito do consumidor do centro. Aliás, o metaverso deverá aprofundar esse olhar, abrindo portas para o desenho de experiências customizadas.
Tecnologias
“Para funcionar plenamente, o metaverso precisa de internet mais veloz do que a temos, além de latência, que é a qualidade do sinal”, aponta Thyago Borges, mestre em Ciência da Computação
Na visão do professor de Interface Humano-Computador no curso de Engenharia de Software da Unicesumar e mestre em Ciência da Computação, Thyago Borges, os games são os que mais se aproximam hoje do que se pretende para o metaverso em razão dos equipamentos utilizados, como os óculos de realidade virtual, que permitem aos usuários experiências imersivas e a execução de ações virtuais.
Primeiro é preciso entender que o metaverso não se resume a uma tecnologia, mas é uma soma de tecnologias e suas formas de utilização. Alguns pesquisadores defendem que o amplo uso desse tipo de solução depende igualmente do amplo acesso a equipamentos como óculos de realidade virtual, sensores, fones de ouvido, além de internet 5G e web 3.0.
“Para funcionar plenamente, o metaverso precisa de internet mais veloz do que a temos, além de latência, que é a qualidade do sinal”, frisa Borges. Ele diz que, por outro lado, não se pensava em robôs e assistentes virtuais como a Alexa ou carros autônomos há alguns anos, indicando que os recursos estão aí, sendo preciso avançar na parte computacional e na interação homem-computador.
O que se sabe é que esse mercado tem movimentado bastante dinheiro e, pensando em negócios que envolvem desde propriedades virtuais e criptomoedas a roupas e calçados para os avatares, o comércio no metaverso deve ser gigante. A expectativa é que os NFTs (token não fungível) sejam a principal moeda de troca nesse universo. Só em 2021, segundo o site Nonfungible.com, as transações em NFTs alcançaram US$ 5,9 bilhões.
Comunicação entre ‘metaversos’
A tecnologia que permite o funcionamento dos NFTs é a mesma que possibilitou a criação do bitcoin e viabiliza a transação de criptomoedas: o blockchain, um sistema que permite rastrear o envio e o recebimento de informações pela internet e que se mostra relevante para o avanço do metaverso. “Meu avatar vai interagir com outro avatar, que pode contratar o meu serviço de consultoria e pagar em NFT. Vai comprar uma foto minha, e aquela foto vai dar acesso à consultoria, software e documentos, tudo baseado na mesma tecnologia que viabilizou as criptomoedas”, exemplifica Borges.
Uma dificuldade para o avanço do metaverso, na visão do professor, será a comunicação entre os ‘metaversos’. “Se o meu avatar é do Roblox e o seu é da Meta, como eles vão se comunicar? É algo que considero distante”. Borges diz ainda que a demanda por desenvolvedores de software, analistas de sistemas e outros profissionais que atuem na área da interação homem-máquina, mão de obra já escassa, vai aumentar. Além disso, haverá desafios sobre a maneira como serão utilizados o computador e os smatphones e sobre questões éticas e legais, como a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).