Imagine seu produto com estampas mundialmente conhecidas como Mickey Mouse, Cebolinha ou com imagens de times como o Flamengo? Pois esta estratégia, de licenciar produtos, tem sido adotada por empresários – micro, pequenos e grandes – de variados segmentos para conquistar consumidores e movimentar as vendas.
De acordo com a Associação Brasileira de Licenciamento (Abral), o Brasil está entre os seis países com maior faturamento em licenciamento de marcas do mundo – R$ 21 bilhões em 2020, crescimento de 5% em relação ao ano anterior. Estados Unidos, Japão, Inglaterra, México e Canadá são os outros países em destaque.
Números estimados da Abral apontam para 500 empresas licenciadas e 600 licenças disponíveis, sendo 80% estrangeiras. The Walt Disney lidera o ranking com marcas infantis, com Mickey, Minnie, Frozen, Moana, entre outros personagens. A Marvel, também pertencente ao grupo The Walt Disney, e a DC Comics, da Warner Bros, têm destaque por conta da influência e sucesso dos heróis.
Com o licenciamento, a maringaense FreeFaro, indústria de acessórios PET, é um caso de sucesso. Fundada em 2017, a empresa surgiu com uma estratégia de crescimento bem planejada e ousada. O CEO Eduardo Hikishima começou com marca própria, mas mirava o licenciamento para expandir. “Estudei o mercado, as grandes marcas e percebi que o caminho seria promissor. O licenciamento dá mais velocidade de penetração de mercado, porque há visibilidade e o apelo comercial de uma marca conhecida. Por exemplo, se no início falasse da Freefaro, talvez você não conhecesse a marca, mas se apresentasse meus produtos com a marca ScoobyDoo, a recepção seria outra”.
O caminho das pedras
A empresa possui contratos de licenciamento com a Warner Bros (Batman, Coringa, Mulher Maravilha, Scooby Doo, Tom e Jerry), além de times de futebol como o Flamengo, Corinthians, Palmeiras e Fluminense. O próximo lançamento, adianta o empresário, será produtos com a marca do Harry Porter. “Será o primeiro lançamento mundial da franquia no segmento PET”, destaca. “A marca precisa acreditar no seu produto. A Warner, por exemplo, jamais deixará ser associada a um produto ruim ou que manche a imagem”.
Antes do primeiro contrato de licenciamento, a FreeFaro abriu um quiosque próximo ao escritório da Warner, em São Paulo, “dessa forma o pessoal da empresa teve a oportunidade de conhecer a marca, antes de eu ter ido conversar com eles. Foram seis meses de negociação até fechar o primeiro contrato de licenciamento”, conta.
Atualmente metade das vendas vem de produtos licenciados - a outra metade vem da marca própria. “Conquistamos credibilidade e autoridade graças a parcerias com grandes marcas”, destaca. A taxa de royalties paga pela FreeFarro pode variar até 16% em cada produto.
Outra estratégia recente é uma parceria com a Morena Rosa, marca de moda feminina. “Chamamos de colab, que é um lançamento em conjunto. Quando a Morena Rosa lança um produto para as mulheres, lançamos com as mesmas estampas para os PETs”, explica.
No ano passado a FreeFaro ficou em destaque entre as marcas licenciadas pela Warner Bros, e recebeu o Prêmio Melhores do Ano, na categoria ‘Melhor Storytelling’ (narração de histórias), com a Bolsa de Transporte Scooby-Doo.
Alerta
O cuidado ao utilizar a marca, nome ou imagem que remete a outra empresa é primordial para que o negócio cresça sem problemas na Justiça e no bolso. Mesmo sem ser proposital, mal entendidos podem surgir antes da empresa começar a funcionar. Foi o que aconteceu com a The KombiStar Coffee, o primeiro coffee truck (cafeteria sobre rodas) de Maringá, que começou as atividades em 2020.
Depois de fazer cartões, folder e adesivos, Cláudio Martins Carneiro recebeu notificação de uma marca de café alegando semelhança; ele precisou mudar nome e identidade visual
Ao desenvolver o projeto, Cláudio Martins Carneiro decidiu utilizar certa semelhança com a marca de cafés Starbucks para atrair público. Um designer foi contratado para desenvolver a identidade visual: “expliquei a ideia, ele mudou um pouco, mas a fonte ficou parecida. Aprovei a arte, fiz cartões, folders e adesivos de copo até que recebi uma ligação do advogado do Starbucks informando que receberia um email de notificação. Lá a empresa mostrava a semelhança das duas marcas e me pediu para mudar nome, fonte e cor da marca para que a minha empresa não tivesse problemas”, lembra.
Sem pensar duas vezes, tudo foi alterado, desde o nome à nova logo. “Tudo isso podia ter gerado um processo e acabado com um projeto que sonhei durante tanto tempo, é algo grave mesmo”, destaca o empresário.
Depois disso, Carneiro se informou junto a profissionais da área sobre o registro de marcas e se sentiu mais seguro. “O café está funcionando e estou em processo de finalização de registro da marca, tenho todas as informações em mãos do que pode ou não ser usado. O cuidado inicial deve ser redobrado para evitar surpresas como a que tive”, aconselha.
A The KombiStar Coffee está estacionada no pátio da Igreja Quadrangular Vida Nova e é aberta ao público em geral. O horário de funcionamento é das 9 às 17 horas com cafés quentes, gelados, bolos, salgados, doces e outras bebidas. A novidade é o café expresso servido na casquinha.
Licença Disney
Para ter parceria com grandes marcas com a The Walt Disney Company (TWDC), a excelência na qualidade dos produtos é item fundamental. “A TWDC preza por marcas que tenham boa reputação. Somos um parceiro de negócio que conecta as marcas aos nossos fãs de maneira emocional”, comenta o executivo vendas de publicidade e parceria da TWDC, Alexandre Suzuki. Ele explica que existem critérios para a elaboração do material publicitário para manter o padrão de qualidade da companhia.
“Existem duas formas: no caso de licenciamento regular de produtos, temos um time dedicado a isso, dividido por categoria, com regras e particularidades. Por exemplo, uma marca de alimentos e bebidas precisa passar pelas diretrizes nutricionais da Disney, já que um dos pilares da companhia é incentivar a vida saudável”, exemplifica Suzuki. Outro modelo de licenciamento é o promocional, em que se realizam projetos por um período pontual, aproveitando um lançamento ou data sazonal. “Independente do escopo, a TWDC preza por parcerias com marcas que tenham boa reputação e que sejam ‘best in class’ em suas categorias”, complementa o profissional.
Para quem tem interesse em licenciamentos ou parcerias, o caminho é entrar em contato com o time de vendas da Disney. “Mostraremos as oportunidades e entenderemos a necessidade da marca para levar a melhor solução. O principal benefício é a segurança de estar se associando a uma marca comprometida em entregar os melhores resultados e apoio do time para a melhor entrega”, finaliza.
Como funciona?
O licenciamento é um direito contratual de utilização de marca, imagem ou propriedade artística em um produto, serviço ou peça publicitária. Esse direito de uso é dado por tempo limitado em troca de remuneração, que são os royalties. O percentual aplicado sobre o valor da venda ou prestação de serviço é definido pela marca licenciada.
Uma tabela da Associação Brasileira de Licenciamento (Abral) dá uma ideia dos royalties aplicados no Brasil: alimentos (de 3% a 5%); roupas e calçados (10%), acessórios (8 a 12%); eletrônicos (8 a 10%); brinquedos (10 a 12%).
Natália Ferruzzi, advogada: em alguns casos, o fato de uma marca, produto ou obra ficar parecido é o suficiente para violar os direitos de propriedade intelectual
Todo cuidado é pouco!
Os problemas com a utilização indevida de uma marca ou de uma obra protegida são vários, podendo culminar em multa e até prisão de até quatro anos. A advogada Natália Ferruzzi explica que a reprodução não autorizada, parcial ou total, pode configurar em crime de contrafação, conhecido popularmente por pirataria (no caso de falsificação de produto, cópias ilegais de música, filmes e softwares.)
“O crime nada mais é do que a reprodução não autorizada de algo protegido por direito de propriedade intelectual, que trata dos bens imateriais, que são resultados da criação da mente, tais como músicas, obras artísticas e literárias, marcas e invenções. Quando se pensa em algo que alguém criou, provavelmente existe proteção intelectual”, explica Natália.
Daí a importância de procurar as empresas detentoras dos direitos para um possível licenciamento. “Licenciar é dar permissão para um terceiro utilizar uma marca ou obra com proteção legal de um produto ou serviço, por meio de um contrato. O licenciamento de produtos geralmente envolve marcas e personagens e pode ocorrer em qualquer categoria ou área, embora seja mais comum no entretenimento, moda, beleza e esporte”, reforça a advogada.
Além da produção e comercialização, o consumo de produtos piratas pode configurar crime. “Cada tipo de violação pode culminar em uma penalidade, e além de ser crime, a empresa prejudicada poderá propor ação indenizatória contra os infratores, para tentar reaver os prejuízos”.
Ela ainda reforça o cuidado com os limites da “inspiração” em obras ou marcas existentes, pois mesmo em casos de cópia parcial e sem a intenção de se fazer passar por verdadeiro, o que não pode é haver violação de direitos de propriedade intelectual. “Em alguns casos, o fato de uma marca, produto ou obra ficar parecido já é o suficiente. Além de implicar ainda em concorrência desleal e aproveitamento parasitário, dependendo do caso”.
Outra situação que a advogada ressalta é a utilização indevida de marcas de empresas menores, mesmo sem saber. “Quando um empreendedor vai abrir uma empresa e não pesquisa nem contrata um profissional especializado para criar a marca, pode pensar em algo igual ou similar ao que já existe. A pesquisa inicial, realizada devidamente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), é fundamental para evitar essas situações, por isso, é preciso procurar um profissional especializado em registro de marcas para se certificar”, orienta a advogada.