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Safra desafia produtores, mas abre oportunidades

Safra desafia produtores, mas abre oportunidades

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Eduardo Felau, da Nutri Agroindústria: “às vezes, os produtores demoram a negociar esperando a valorização e acabam perdendo no preço”

Os recursos anunciados pelo governo federal para o ano safra 2024/2025 foram de R$ 475,5 bilhões, sendo R$ 400,5 bilhões destinados à agricultura empresarial e R$ 75 bilhões à agricultura familiar. Historicamente, o valor é sempre maior que o ofertado na safra anterior, a fim de acompanhar as demandas do mercado. Nesta edição, o programa supera em 9,7% os R$ 364,22 bilhões disponibilizados no ciclo anterior para a agricultura empresarial e em 6% para a agricultura familiar.

Foram liberados R$ 293,29 bilhões para custeio e comercialização e R$ 107,3 bilhões para investimentos – mais R$ 108 bilhões complementares ao Plano Safra poderão ser acessados por meio de recursos de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), totalizando R$ 508,59 bilhões neste ano safra. As taxas variam de 7 a 12% para o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp) e investimentos. No Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), os juros ficaram entre 0,5% e 6% ao ano, mais baixos conforme a cultura e o compromisso com a sustentabilidade.


Margem



“As grandes não têm como fabricar olhando para necessidades específicas. Então, encontrei essa oportunidade”, diz José Sidnei Kamphorst

Os recursos ficaram aquém do que setor de modo geral esperava. Enquanto instituições como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) esperavam pelo menos R$ 570 bilhões, especialistas afirmam que o montante deveria ser de cerca de R$ 1 trilhão, opinião compartilhada pela Nutri Agroindústria. Com quatro anos de mercado, a empresa compra e vende principalmente soja e milho. A matriz fica em Cascavel, o centro administrativo, financeiro e comercial fica em Maringá, há uma indústria de milho em Apucarana e armazém em Engenheiro Beltrão. Movimentando quase meio milhão de toneladas de soja e milho ao ano e faturamento em torno de R$ 870 milhões, a empresa atua em todo o Brasil com operações de compra, venda e serviços de armazenagem.

Responsável pelo comercial da empresa, Eduardo Felau aposta numa gestão focada em resultado em vez de volume para driblar consequências de possíveis dificuldades dos produtores em acessar crédito. Como o dinheiro de financiamentos impacta o desempenho e os preços praticados por agricultores de quem a empresa compra grãos para vender a grandes players, é preciso realizar um trabalho ajustado. “Diante da conjuntura, escolhemos negociar de forma ponderada, visando o resultado na última linha. Tudo está mais caro, e o Plano não vai cobrir os custos do produtor”, comenta.

Para acertar na compra, a trading precifica as commodities com base em fatores como prêmios de exportação, dólar, Bolsa de Chicago, entre outros, como logística. “Alguns produtores não possuem um perfil tão empresarial e, às vezes, demoram a negociar, seguram o produto esperando valorização da saca e acabam perdendo no preço. O cenário é desafiador para uma alta de preços por causa da oferta mundial”, observa.

A expectativa de safras recordes de soja e milho nos Estados Unidos, influenciando o valor das sacas no mundo, pedidos de recuperação judicial no Brasil, alta oferta de safras anteriores, estiagem quebrando parte da produção e preços abaixo das expectativas dos produtores, entre outras variáveis do agronegócio exigem postura enxuta. Por isso, a precificação tem sido criteriosa. “Compramos de produtores pequenos, grandes e de cerealistas. Parte vai para indústrias voltadas ao consumo em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, mas a maioria vai para exportação via clientes finais que são multinacionais e grandes tradings do agronegócio, que sabemos que vão honrar o compromisso. Infelizmente, no cenário geral, começa-se a reduzir um pouco as vendas para os pequenos”, explica.


Tecnologia

A Kampagril Industrial fabrica soluções para otimizar a lida no campo, como módulos que aumentam a performance de colheitadeiras. Segundo o idealizador José Sidnei Kamphorst, este tem sido o ano mais difícil. Enquanto nos quatro primeiros anos de negócio ele registrou apenas três ou quatro casos de inadimplência, neste quinto ano o índice chega a 17%. “Não é tanto a falta de crédito para o produtor que torna o cenário desfavorável. Os produtores estão segurando os investimentos. O custo de produção continua elevado e o preço das commodities caiu. A saca de soja, que chegou a R$ 200, caiu para pouco mais de R$ 100”.

O empresário conta que aguardava o Plano Safra com expectativa, mas logo após o anúncio, em julho, diz que empresários como ele e produtores desanimaram. “Não está fácil pagar justamente por causa dos custos e dos preços dos grãos”. 

Apesar do panorama, ele explica que o negócio leva até certa vantagem porque ajuda os produtores a economizar. São peças de cerca de R$ 15 mil que possibilitam que as máquinas iniciem as colheitas uma hora mais cedo e terminem até três horas mais tarde, porque evitam o ‘embuchamento’ que pode se formar em razão da umidade das plantas úmidas após o orvalho. O produto também foi desenvolvido para preservar a integridade dos grãos e gerar economia de combustível. “Um cliente de Maracaju/MS comprou alguns conjuntos do módulo de alta performance para três das nove colheitadeiras, investindo R$ 200 mil. Com receio de não dar conta de colher tudo a tempo, durante o processo de instalação dos módulos, comprou mais três máquinas, investindo R$ 9 milhões. Ao final da colheita, notou que não precisaria ter comprado máquinas e que apenas com os módulos nas colheitadeiras que possuía, teria dado conta”, relata.

Com os módulos, cada colheitadeira aumenta em cerca de 30% o desempenho. É o próprio empresário quem desenvolve os produtos após décadas de trabalho em multinacionais fabricantes. “As grandes não têm como fabricar olhando para necessidades específicas. Então, encontrei essa oportunidade”, diz. A esperança é superar este ano para depois aumentar a média de faturamento, que vem crescendo 30% ao ano, bem como ampliar a equipe, hoje com nove colaboradores.


Fertilizantes

Para uma empresa maringaense de fertilizantes, o Plano Safra tem gerado impactos positivos. “Quando os recursos são robustos e acessíveis, há uma tendência de aumento na demanda por fertilizantes, pois os produtores conseguem planejar suas aquisições e expandir áreas de cultivo. O montante teve impacto positivo, mas havia uma expectativa de que o valor fosse maior, especialmente considerando custos elevados de insumos e necessidade crescente de modernização no campo”, analisa o sócio-diretor de projetos da Síntese Agro Science, Willian Marcusso.

Segundo Marcusso, as principais culturas que demandam fertilizantes são soja, milho e cana-de-açúcar, predominantes na região de Maringá, mas há procura por fertilizantes para outras culturas, como trigo e café devido à diversificação das atividades na região. “Orientamos os clientes a buscar linhas de crédito de custeio agrícola, que são mais acessíveis. Também incentivamos a busca por linhas específicas para fertilizantes oferecidas por cooperativas de crédito locais, que costumam ter taxas competitivas. Além disso, temos campanhas de marketing focadas em informar os produtores sobre as vantagens de utilizar as linhas de crédito para a compra de fertilizantes”, conta.

Marcusso ressalta o compromisso com a sustentabilidade em alta. “O Plano Safra incluiu linhas de crédito focadas em práticas agrícolas sustentáveis. Trabalhamos em sinergia com essas iniciativas, oferecendo biofertilizantes. Dessa forma, proporcionamos acesso a insumos que não só melhoram a produtividade, mas preservam o meio ambiente”.

Há seis anos no mercado, a empresa oferece fertilizantes biológicos, orgânicos e nutrição foliar, além de soluções para tecnologia de aplicação. No momento, investe em um novo complexo industrial de 63 mil metros quadrados, que permitirá a entrega de uma linha de insumos agrícolas totalmente sustentável. “O incentivo ao setor de fertilizantes no Brasil tem sido crucial para manter o país como um dos maiores produtores agrícolas do mundo. No entanto, acreditamos que é necessário um avanço na simplificação do acesso ao crédito e na desoneração fiscal dos insumos agrícolas, bem como investimento em pesquisas”, observa.


Crédito

Na Sicredi Dexis, a expectativa é conceder mais de R$ 4,1 bilhões entre recursos controlados e livres para financiar custeio, investimento, comercialização, industrialização e CPR Financeira (Cédula de Produto Rural). O total é maior que o ofertado na safra anterior, quando R$ 3,5 bilhões foram liberados em mais de 11 mil operações de crédito. “Em 2023/2024 o mercado ficou grande parte da safra sem conseguir atender o médio produtor, mas na nossa cooperativa em nenhum momento faltou recurso. Trabalhamos o ano inteiro com o médio produtor, crescendo a carteira em 46%”, afirma o gerente de Desenvolvimento de Crédito Agro, Vitor Pasquini.

Dentro do planejamento, os volumes são divididos em até R$ 186 milhões para o Pronaf; até R$ 1,54 bilhão para o Pronamp; e até R$ 1,774 bilhão para demais produtores. Prazos, limites e condições são estabelecidas pelo governo federal. “Vejo o Plano com bons olhos porque, além do aumento nos recursos, considerando a alta da Selic, as taxas de juros se mantiveram estáveis. Para pequenos produtores, houve uma leve queda, com média de redução de um ponto percentual”, acentua Pasquini.

Outra opção são recursos para investimento de longo prazo. São R$ 600 milhões abrangendo linhas de crédito com fonte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tanto para crédito rural quanto comercial, com prazo de pagamento que pode chegar a 12 anos, evitando a descapitalização do produtor.