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Desaceleração herdada de 2022 adia retomada para 2024

Desaceleração herdada de 2022 adia retomada para 2024

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Nenhum Banco Central do mundo, muito menos o do Brasil, mantém juros altos de forma desnecessária. Em certo momento, a inflação vai cair, assim como a taxa do BC, só que não por meio de uma canetada

O ano passado foi marcado pela preocupação persistente com a inflação, que ocasionou forte resposta dos principais bancos centrais, incluindo o brasileiro. A alta dos juros continua ditando o ritmo da economia mundo afora e no Brasil não é diferente. “Entramos em 2023 em desaceleração, com incerteza de todos os tipos e até com tragédia climática”, diz o economista e consultor José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados. 

A desaceleração herdada do ano passado, segundo o economista, restringe a patamares mínimos a possibilidade de recuperação econômica neste ano. Mendonça de Barros, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda entre 1995 e 1998, projeta uma melhora no cenário no segundo semestre, mas o tão sonhado crescimento ficará mesmo para o ano que vem.  

“A perspectiva para 2024 é de uma recuperação muito robusta nas principais economias do mundo. Este ano, com a guerra, a covid na China e os juros mais altos, as tendências são de desaceleração global no primeiro semestre, estabilização no segundo e retomada a partir do ano que vem”, resume.  

O economista alerta, entretanto, que para acompanhar a retomada, o Brasil precisa trabalhar por uma melhora no ambiente interno: 


A autonomia do Banco Central foi alvo de muita discussão recentemente. Esta autonomia pode estar ameaçada? 

Durante muitos anos a autonomia do Banco Central (BC) não estava consignada em lei. A aprovação [da autonomia] foi bem recebida porque, realmente, é um avanço importante para a economia. Nenhum Banco Central do mundo, muito menos o do Brasil, mantém juros altos de forma desnecessária. Os juros estão altos porque é a ferramenta que o BC utiliza para debelar a inflação, que ficou em dois dígitos por muito tempo recentemente e ainda é um problema grave. Em certo momento, a inflação vai cair, assim como a taxa do BC, só que não por meio de uma canetada. Discutir a autonomia do BC hoje é pouco produtivo, até porque o Congresso teria que aprovar a retirada dessa autonomia por lei e, no momento, isso só prejudicaria o combate da inflação e retardaria a sua queda. 


A taxa Selic está em 13,75%, cabe redução?

Este índice é bastante alto e deve cair, o problema é quando, com que velocidade e com que segurança. Antes desta discussão da autonomia, tínhamos duas razões para imaginar que a inflação cairia ao longo de 2023: a primeira tem a ver com a região de Maringá, onde a produção agrícola é relevante. Apesar dos problemas com a La Niña e a seca que atinge o Rio Grande do Sul e parte do oeste de Santa Catarina, a safra agrícola de verão será espetacular. O IBGE está projetando que devemos colher, junto com a safrinha, mais de 300 milhões de toneladas de grãos. Naturalmente uma safra desse tamanho derruba o preço dos alimentos. Projetamos que, até o final do ano, os preços dos alimentos ao consumidor crescerão 4%, 5%. No ano passado, os preços cresceram de 12% a 14%. O custo de alimentos é um fator importante para o índice total de inflação. A segunda razão também tem relação com o tamanho da safra, mas não só isso. A taxa de câmbio abriu o ano com tendência de cair abaixo de R$ 5. Este valor não foi atingido por conta de questões políticas, incluindo essa discussão sobre a autonomia do BC e os episódios de 8 de janeiro em Brasília. Se acalmar o ambiente político, o dólar cai na direção de até R$ 4,8 porque o Brasil tem uma situação robusta. A balança comercial, puxada pelo agronegócio, é forte e os investimentos estrangeiros, de todos os tipos, aumentaram muito, ou seja, a oferta de dólares está robusta. Também é importante mencionar o caso das Lojas Americanas, que não é de ordem política nem de ambiente, mas, devido a sua ocorrência inesperada e pelo tamanho, está levando o sistema bancário a rever decisões de concessão de crédito. O crédito está ficando mais difícil e caro, e isso atrapalha um pouco a queda da inflação.


Como deve ser o comportamento da inflação neste ano?

A projeção para o final do ano é 5,8%, até um pouco menos. E aí podem dizer: “mas o ano passado foi 5,8%, então ela vai ficar no mesmo lugar?”. Isso não é exatamente verdade porque os 5,8% do ano passado decorreram, essencialmente, da retirada do imposto da gasolina e da conta de luz residencial, que é temporário. Ou seja, não era uma queda real. Se conseguirmos recuperar o ambiente e elevar a confiança, o dólar vai para baixo de R$ 5 e para o ano seguinte podermos projetar inflação na faixa de 4%.


Nos próximos meses o brasileiro deve sentir um alívio no bolso? 

Acho que sim. O mais importante para o cidadão comum é o custo da comida, e esses preços devem cair. Quem tem carro vai sentir o aumento do preço da gasolina. Sobe a gasolina, mas, por causa do imposto, o preço do diesel não sobe e, portanto, transporte coletivo e transporte de cargas não têm razão para subir. Outra preocupação este ano deve ser com a manutenção do emprego, porque a taxa de crescimento de emprego está reduzindo muito rapidamente. Por causa do crédito menor, muitas empresas terão dificuldades e, neste caso, a redução dos postos de emprego passa a ser uma medida necessária.


O governo pode agir para frear o crescimento do desemprego?

O mais importante é contribuir para a retomada do crescimento e a melhora do ambiente econômico, principalmente na área de gastos públicos e discussão e negociação com o Congresso. Além disso, o governo tem papel importante para dar suporte a projetos de investimentos através de incentivo à atividade internacional, negociação de acordos, abertura de mercado e regulação de determinados recursos.


Em relação à economia mundial, há previsão de recessão. No Brasil, a recessão está descartada? 

Em princípio, sim. Nossa expectativa é de um crescimento modesto de forma geral, com exceção do agronegócio. O PIB do agronegócio vai crescer entre 6% e 8% em todos os setores: produção florestal, animal e vegetal. É claro que depende do clima continuar ajudando, do bom desempenho da safrinha e do caso de vaca louca ser algo isolado. Por outro lado, o comércio, setor de serviços e parte da indústria terão mais dificuldade, com projeção do PIB crescer perto de 1%. E nesses setores cabe cautela mesmo, por causa da inflação e da taxa de juros. Estamos vendo muitas empresas alavancadas com problemas e o número de pedidos de recuperação aumentando.


O que falta para aumentar a atratividade brasileira?

Precisamos resgatar um pouco de confiança no futuro. Tem duas coisas que estão no caminho de acontecer e ajudarão nisso: uma é que o governo decidiu que vai em busca de uma reforma tributária. Acho que ela vai acontecer e isso tende a melhorar as expectativas. Segundo, é a proposição da chamada regra fiscal para o governo. Se isso acontecer, poderemos caminhar rapidamente para uma situação de convergência das expectativas de queda da inflação, o que alivia o trabalho do Banco Central. 


Como os empresários devem se comportar neste cenário?

Precisam ser muito cautelosos na projeção do fluxo de caixa porque os bancos, com medo de perder mais dinheiro, ficarão mais exigentes para a liberação de crédito. O empresário terá que demonstrar a capacidade de pagar o empréstimo e comprovar que o negócio é confiável. Neste momento, é importante ter cautela, até mesmo o agricultor. Seguramente não é hora de buscar alavancagem em crédito. Se tiver que alavancar, que seja através de investimento em mercado de ações. E aqueles que estão muito alavancados, têm que tentar desalavancar. Alavancagem grande em momentos de contração de crédito tem chance enorme de caminhar para insolvência. É hora de restringir a projetos com retorno mais seguro e garantido, e se preparar para 2024.  


Então a sonhada retomada fica para 2024?

Em 2024 o mundo inteiro vai crescer, e isso sempre ajuda o Brasil. Se as ações do governo convergirem para a esperada redução da inflação e o Banco Central, por decisão própria, começar a baixar os juros, estaremos nos preparando para o ano que vem. Isso deve impactar, primeiramente, no comportamento dos investimentos, que são, mais do que tudo, a expressão de uma expectativa favorável. Dado o cenário positivo das commodities, mineração, agronegócio e petróleo, vamos continuar com um fluxo grande de investimento. Mas existem áreas que estão aparecendo, tais como a descarbonização e energias sustentáveis. Além disso, existem frentes novas de produção de energias alternativas, especialmente o hidrogênio verde, da amônia, resultante da utilização de energia elétrica. Isso vem de muitas fontes, sendo que a que está se desenvolvendo mais hoje é a biodigestão dos resíduos da cana-de-açúcar. Também existem projetos novos de saneamento e estradas de ferro. Esse conjunto de investimentos, que não é pequeno, acontecerá em qualquer cenário, mas poderá ser mais rápido dependendo do ambiente econômico interno. O Brasil já perdeu muitas oportunidades de crescer, mas há uma nova ação internacional, com a entrada de recursos externos, que está abrindo uma nova chance, e o país deve aproveitar.