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Há vagas… faltam candidatos

Há vagas… faltam candidatos

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Para driblar a falta de mão de obra, a esposa e filhos de Roberto Nakanishi ajudam na Água Doce Cachaçaria: “não adianta fazer promoções para atrair clientes se não temos como atender. Preciso controlar a demanda” 

Há meses o empresário Roberto Nakanishi tenta, sem sucesso, completar o quadro de colaboradores do restaurante Água Doce Cachaçaria. Na primeira quinzena de janeiro, ele estava à procura de quatro profissionais: dois para cozinha, um para o bar e outro para o salão. “Está cada vez mais difícil encontrar gente para trabalhar”, desabafa. 

A escassez de mão de obra, segundo ele, não é um problema recente no setor de bares e restaurantes, entretanto se agravou durante a pandemia. Isso porque muitos que trabalhavam na área e foram demitidos por conta das restrições de funcionamento migraram de setor. 

“Quando tivemos que fechar as portas, sem previsão de retorno, muitos ficaram sem renda e precisaram buscar alternativas. Boa parte migrou para o delivery e agora não quer voltar”, lamenta o empresário. 

Diante da crescente falta de opções, requisitos como qualificação e experiência nem são exigidos. “Basta ter interesse em trabalhar”, diz Nakanishi. Em seu restaurante a inexperiência é resolvida com o programa de treinamento ofertado pela franquia. 

Mas nem assim a tarefa tem sido fácil. As vagas anunciadas em sites especializados e redes sociais têm atraído poucos candidatos, e alguns não tão ‘interessados’. “Recentemente selecionei dez currículos e mandei mensagem para marcar entrevistas. Nenhum respondeu. Têm aqueles que respondem, mas não aparecem no dia e hora agendados”.

Na saga por funcionários, o empresário apelou para várias estratégias de divulgação de vagas e chegou a contratar uma agência especializada em recrutamento, sem sucesso.   

O empresário acredita que a falta de interesse tem relação com a jornada de trabalho nos finais de semana. Os que funcionam no período noturno são ainda menos atrativos. “À noite é mais complicado para quem depende de ônibus, porque as linhas são poucas. Para resolver o problema, oferecemos transporte particular, principalmente para as mulheres que trabalham na cozinha. Ainda assim está difícil”.  

As vagas na cozinha, aliás, são as mais difíceis de serem preenchidas. Segundo Nakanishi, muitos profissionais estão em busca apenas de experiência para abrir o próprio negócio. “Acabamos servindo de trampolim para quem faz cursos de Gastronomia e Culinária”.

Para driblar o desfalque de mão de obra, o empresário conta com a ajuda da esposa e filhos. A solução caseira, entretanto, não é suficiente para evitar os prejuízos. Por falta de pessoal, o restaurante não tem operado com lotação máxima. “Não adianta fazer promoções para atrair clientes se não temos como atender. Preciso controlar a demanda para garantir atendimento de qualidade”, diz.     

Risco de extinção

Na Mota Auto Elétrica o cargo de eletricista automotivo está vago há mais de um ano. E neste caso, dada a especificidade da função, não dá para abrir mão da experiência e qualificação. O mesmo vale para as vagas de mecânico que, quando abertas, levam tempo para serem preenchidas. 


Mesmo com remuneração entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, a carreira de eletricista automotivo não desperta o interesse em jovens: para Sérgio Mota, da Mota Auto Elétrica, a profissão está quase em extinção 

“São profissões praticamente em extinção”, lamenta Sérgio Mota, que está à frente da empresa familiar com 42 anos de história em Maringá. 

O problema da escassez de mão de obra no setor vem de mais de dez anos, e tem se agravado devido a mudanças comportamentais das novas gerações e alterações na legislação brasileira. “Há 30 anos, o pai costumava pedir emprego para os filhos de 13 a 15 anos e muitos começavam a trabalhar em oficinas para aprender sobre carros. Ou inscrevia o adolescente num curso de torneiro ou automotivo pensando numa possibilidade de carreira”, recorda o empresário. 

Ele mesmo começou a trabalhar na oficina aos 13 anos, inicialmente desempenhando tarefas simples como a lavagem de peças. Depois foi ampliando conhecimentos e habilidades sobre mecânica até se tornar referência na parte elétrica.    

A trajetória agora esbarra em leis que regulamentam a contratação de jovens aprendizes. Segundo Mota, mudanças realizadas ao longo dos anos restringem a contratação de estagiários, em especial para atuar em ambientes considerados insalubres como as oficinas. Além disso, mesmo com remuneração entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, a carreira não desperta o interesse em jovens. “Os adolescentes só querem saber de celular, internet e home office”.

Na tentativa de atrair profissionais para o setor, o Núcleo Setorial Automotivo do programa Empreender, do qual Mota faz parte, oferece anualmente curso básico de mecânica aberto à comunidade. Entretanto, o empresário destaca que formar um bom profissional leva, em média, três anos. É por isso que ele e os demais integrantes do núcleo investem frequentemente em treinamentos para os próprios colaboradores visando a soluções caseiras.

“Os veículos estão mais tecnológicos, a ponto de algumas oficinas não acompanharem a evolução. Alguns modelos exigem equipamentos específicos para diagnóstico de falhas e ajustes, que são caros e precisam de qualificação para operá-los”. 

Por isso, mesmo afastado da parte operacional desde 2015, quando assumiu a gestão, Mota regularmente participa de treinamentos e depois compartilha o conhecimento com os colaboradores ou em capacitações organizadas pelo núcleo. A estratégia, além de garantir a qualidade do serviço, ajuda a reduzir a rotatividade. “Com a falta de profissionais, é importante segurar quem está aqui, e felizmente temos conseguido. Tem funcionário com 18 anos de casa, porque há uma preocupação de garantir um bom ambiente de trabalho”.  

Problema é a qualificação

O recrutamento de mão de obra também tem sido um desafio para grandes empresas como a Romagnole S.A, fabricante de produtos elétricos que emprega três mil colaboradores. Na hora de contratar, os recrutadores da companhia esbarram, em geral, na falta de qualificação dos candidatos. 


“A região é carente de profissionais com formação e experiência em elétrica, eletrônica e automação industrial, conhecimentos sobre ferramentas de qualidade e lean manufacturing”, diz Rosane Alexandre, da Romagnole

“Nos últimos anos temos passado por um crescimento expressivo e por transformações no portfólio com produtos que demandam, em muitos casos, conhecimentos e habilidades específicas”, relata a gerente de gestão de pessoas, Rosane Aparecida Alexandre.

Assegurar o alto padrão de qualidade exigido pelos clientes é outro fator que requer disciplina na execução, portanto, as exigências no processo de seleção ficam maiores. Assim, o descompasso entre o perfil requerido e a oferta no mercado, independente da posição, ficou maior. “Em momentos anteriores a demanda era sempre superior à oferta. No último ano a dificuldade aumentou”, revela a gerente que, na ocasião da entrevista, dispunha de vagas nas áreas de produção, suporte à produção, administrativo e área técnica.

Dependendo do cargo, segundo ela, o tempo para preenchimento leva, em média, 45 dias, como as vagas técnicas e de gestão. Isso mesmo com a ampla divulgação em redes sociais, sites especializados, mídia local e até carro de som nos bairros. A localização é outro fator limitador. “A região é carente de profissionais com formação e experiência em elétrica, eletrônica e automação industrial, bem como com conhecimentos sobre ferramentas de qualidade e lean manufacturing”, explica Rosane. 

Já em relação às ofertas para posições de produção, além de uma crescente escassez de mão de obra masculina, a gerente identificou no último ano exigências salariais distantes da formação e da qualificação dos candidatos. 

Para driblar os entraves, a Romagnole tem investido em programas internos de estágio, acelerando o desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais em diversos níveis para atender tanto as exigências dos clientes como de estratégias do negócio. “Em geral muitos segmentos foram impactados pela carência de profissionais na área de tecnologia da informação. A pandemia fez acentuar esse deficit e foi necessário nos reinventar no modelo e estrutura para retenção, atração e desenvolvimento de talentos”.

Outras estratégias são os investimentos em inovação e na automatização dos processos, equacionando o equilíbrio com mão de obra e competitividade.

Paradoxo

O cenário descrito por empresários e recrutadores revela um paradoxo no mercado. Enquanto empresas e setores sofrem para encontrar gente para trabalhar, a fila de desempregados, no Brasil, aproxima-se de 12,4 milhões de pessoas, segundo previsão da Organização Internacional do Trabalho (OIT).  O descompasso é impulsionado pelo avanço da tecnologia que modificou as relações de trabalho e exige novas habilidades. A falta de qualificação demandada por esse ‘novo’ mercado decorre, em parte, por gargalos na educação. “Falta qualificação técnica, mas também cognitiva e disciplina”, diz a especialista em recrutamento de gestão de pessoas, Sonia Rossi.  


Sonia Rossi, especialista em gestão de pessoas:  “As pessoas querem trabalhar, até porque todo mundo tem conta para pagar, mas também querem qualidade de vida”

Por outro lado, o mercado sofre a consequência do direcionamento do olhar dos jovens para a formação superior - e consequente desinteresse pelos cursos técnicos – e as aspirações profissionais das novas gerações. 

“Os jovens de hoje são livres, não têm medo de mudanças como as gerações anteriores. Eles querem trabalhar, mas em empresas que os impulsionem e os desafiem a crescer. Caso contrário, eles saem e vão em busca de outra ou até fazer ‘bicos’”, diz Sonia.  

Daí a importância de planos de carreiras e salários. Até porque a adoção de políticas de retenção, que oportunizam o crescimento na organização e a formação de líderes, reduz a dependência ao mercado de trabalho.  

“Se a empresa investe na qualificação e preparo do colaborador para pleitear cargos internos, não precisa recorrer ao mercado sempre que surgir uma vaga. Pode promover quem está ali mesmo”, ensina Sonia. 

Outra dica: monitorar permanentemente o mercado e criar um banco de currículos, antecipando-se a uma eventual baixa no quadro. “O ideal é procurar antes de precisar”. Não menos importante é o ambiente de trabalho, com uma cultura organizacional que inspire e incentive a colaboração do funcionário. “Numa empresa menor, onde não há tantas oportunidades de crescimento, dá para fazer o colaborador se sentir valorizado ouvindo sugestões, por exemplo. Afinal nem todos querem a ascensão profissional, querem apenas o reconhecimento”.

Para a consultora, a solução da escassez de mão de obra passa por uma mudança de mentalidade e postura por parte do empresariado. “Os valores mudaram. Criou-se uma falsa ilusão que as pessoas não querem trabalhar. Não é verdade. Elas querem trabalhar, até porque todo mundo tem conta para pagar, mas também querem qualidade de vida. É preciso respeitar a vida pessoal do trabalhador”. Para tanto, a consultora sugere a flexibilização dos modelos, com jornadas híbridas, escalas alternadas e turnos diferentes, por exemplo, além de remuneração competitiva e benefícios. “Por que não adotar o home office se a função permitir? O trabalho remoto se mostrou efetivo durante a pandemia, e ainda assim empresas insistem em exigir que os funcionários voltem para o presencial. Essa é uma cultura que não cabe mais. O empresário precisa repensar o negócio, caso contrário, terá mais dificuldade para contratar”. 

Qualificar, contratar e reter

O caminho sugerido pela consultora é o seguido pela Transpanorama. Os anúncios de ofertas de empregos em sites especializados e redes sociais costumam atrair muitos interessados. Dependendo da vaga, o departamento de Recursos Humanos (RH) chega a receber 150 currículos para triagem. É justamente a partir desta etapa que a tarefa fica mais difícil. 


Com 2,1 mil colaboradores, Transpanorama aposta em escola para motoristas, recrutamento permanente, retenção e programa de premiação; na foto a gerente de RH, Roseli Baroni

“Temos uma boa resposta às divulgações tanto para vagas de motoristas como para as administrativas. Os currículos chegam, mas em alguns cargos faltam competências técnicas”, diz a gerente de RH, Roseli Baroni.

E nem todos os aprovados na triagem aparecem para a próxima etapa. “Se queremos fazer 20 entrevistas de motoristas, precisamos agendar 50 ou mais”, revela a gerente, acrescentando que nos dois últimos anos as faltas e cancelamentos costumam aumentar quando há picos de casos da covid-19. 

Para que esses contratempos não comprometam as atividades da transportadora, o RH adota a estratégia de manutenção de currículos ativos. Ou seja, mesmo com o quadro completo, o recrutamento é permanente. “Não deixamos para ‘trabalhar’ a vaga só quando há a necessidade. Assim conseguimos fazer a reposição rápida quando um colaborador sai, quando  iniciamos uma operação ou adquirimos caminhões”, explica Roseli. 

Outro diferencial da Transpanorama é a Escola de Formação de Motoristas, que desde a criação, em 2018, formou mais de 400 profissionais e tem fila de espera.  

O curso dura cerca de 30 dias, entre aulas teóricas e práticas e os melhores alunos de cada turma saem empregados. Foi por meio da escola que 38 venezuelanos chegaram ao quadro de colaboradores. Eles vieram a Maringá por meio de uma iniciativa humanitária da Transpanorama, com apoio do Exército Brasileiro, em 2019. Além do treinamento, a transportadora ofereceu moradia e intermediou a vinda das famílias. 

Encerrada a etapa da contratação, começa a da integração. Os recém-chegados passam pelo programa de apresentação da estrutura e cultura da empresa, setor no qual atuarão e áreas correlatas. Também há o acompanhamento de um mentor para orientar sobre a função. “Cuidamos do profissional para que ele se integre e ganhe habilidades. Desta forma, trabalhamos a retenção”, explica Roseli. 

Para manter o colaborador, a empresa investe em política de cargos e salários, além de treinamentos, universidade corporativa e qualificação para acompanhar o avanço tecnológico dos caminhões. 

“Nossa rotatividade é bem baixa. Já chegamos até a zerar”, comemora a gerente de RH do Transpanorama, que atualmente emprega 2,1 mil colaboradores, sendo 1,3 mil motoristas. 

E é para este grupo que foi criado o ‘Rei ou Rainha da Boleia’, programa que premia o/a melhor motorista do ano a partir de uma série de critérios e pontuações. São três etapas, sendo que na primeira – realizada mensalmente - os 20 primeiros do ranking recebem prêmios em dinheiro. Já a cada seis meses são eleitos o top ouro, prata e bronze. E ao final do ano, o melhor é coroado e tem um sonho da família realizado. “É uma forma de valorizar os nossos colaboradores”, conclui Roseli.