Quando traçou o planejamento para 2020, o empresário Eduardo Medeiros tinha em mente a inauguração de uma quarta loja da Alcance Store – revenda autorizada da JBL - e a estruturação do e-commerce da empresa. À época, a pandemia da Covid-19 era inimaginável. “Em fevereiro de 2020 participei de um evento de jovens empreendedores no Acre e ninguém sonhava com algo desta proporção”, revela.
Com lojas em três shoppings da cidade, o empresário pretendia levar a marca também para o Avenida Center. A negociação sobre o ponto estava avançada e a ideia era iniciar as obras da nova loja em abril.
Já o projeto do e-commerce era mais tímido. O site, até então, serviria como um canal auxiliar de vendas das caixas de som da JBL. “Fazia anos que pensava no e-commerce, mas nunca como foco principal. Era algo para dar dinâmica as vendas e facilitar a pesquisa dos clientes sobre os produtos”.
Mas isso mudou no intervalo de menos de um mês. O e-commerce entrou no ar no início de março de 2020, dias antes da paralisação de atividades não essenciais em Maringá, e rapidamente assumiu oposto de protagonista da Alcance Store. “Na primeira semana achei que o fechamento do comércio físico não se prolongaria. A ficha caiu 15 dias depois. Foi quando começou a bater o desespero”, conta o empresário.
Os shoppings ficaram fechados por 45 dias. Nesse período, Medeiros viu o fluxo de caixa desaparecer e precisou se reorganizar financeiramente. Priorizou o pagamento dos fornecedores e reservou um valor para os inevitáveis desligamentos de colaboradores.
Com as lojas físicas fechadas, o empresário debruçou-se sobre o e-commerce. Além do site próprio, os produtos da Alcance Store foram incluídos em marketplaces. E diante de um cenário com os mercados paralisados, os estoques das três lojas fizeram a diferença. “O bom era que eu tinha produto estocado para vender”.
Por outro lado, faltava experiência para operar no universo online. Medeiros conta que sofreu punições dos marketplaces por desconhecer as regras e normas das operações em suas plataformas, o que resultava em queda no seu ranqueamento.
“Existem critérios para garantir a qualidade dos marketplaces. Por exemplo, é preciso informar o cliente sobre o envio da mercadoria dentro de determinado prazo e eu não sabia. Deixava para fazer a comunicação no final de semana e era penalizado. Mesmo assim as vendas cresciam”, recorda.
O período entre março e junho de 2020, segundo ele, foi de ‘grande aprendizado’. Autodidata, o empresário foi desvendando os caminhos e no início do segundo semestre já aparecia nas cabeças do ranking dos marketplaces.
“A partir de agosto conseguimos dobrar o faturamento mês após mês. Em novembro e dezembro o faturamento online foi até quatro vezes maior do que na loja física”, comenta o empresário, referindo-se à unidade do Shopping Catuaí, a única que permanece aberta - duas foram fechadas.
Ele diz que pensou em encerrar todas as operações presenciais diante dos resultados surpreendentes do e-commerce. O instinto empreendedor, no entanto, falou mais alto e o fez apostar numa possível retomada das vendas físicas, apesar da queda de 40%.
O foco, porém, está no online. Afinal são as transações via marketplaces que estão garantindo o bom resultado, porém Medeiros planeja investimentos no site próprio da Alcance Store e em ações em mídias sociais para fortalecer a marca. “Internet é um caminho sem volta”.
Sua percepção a respeito do futuro do e-commerce encontra respaldo na troca de experiências e informações com outros empresários dentro da ACIM, de onde também veio boa parte do suporte para superar a ‘pressão psicológica’ em dias difíceis. “O associativismo fez a diferença”.
Eduardo Medeiros, da Alcance Store, fechou lojas e focou no e-commerce, que hoje representa quatro vezes o faturamento da única loja física
Capacidade de adaptação
Atuando há 20 anos no ramo farmacêutico, a Medicinal também passou pelo desafio de mudar o planejamento estratégico de 2020 e ‘levar’ o atendimento físico para o online para reverter a queda de quase 70% no faturamento registado no início da pandemia.
Especializada na manipulação de fórmulas e no desenvolvimento de produtos cosméticos, a empresa viu os pedidos diminuírem consideravelmente após a suspensão dos atendimentos em consultórios e clínicas médicas.
Para reduzir as perdas, foi preciso se readequar aos novos hábitos de consumo. E isso significou fazer o produto chegar ao cliente sem que ele precisasse sair de casa. “O consumidor, no geral, criou hábitos. A empresa acompanhou esta mudança oferecendo atendimento online, facilitando a entrega e fórmulas via fax ou online”, conta a farmacêutica Sônia Regina Neife Veiga Amaral, que é cofundadora da Medicinal.
Essa estratégia, destaca ela, foi possível devido à liberação da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), já que antes não havia permissão para que o atendimento e a entrega de produtos do receituário controlado fossem feitos de outra maneira que não presencial. “Atualmente estamos planejando onde e como investir para facilitar o atendimento online”.
Outras medidas foram a redução da jornada de trabalho e a readequação do funcionamento dos laboratórios. Os colaboradores foram divididos em dois turnos para evitar aglomerações. O mesmo ocorreu no espaço de atendimento presencial aos clientes. Houve ainda quem foi para o home office.
“Não houve demissões. O quadro de funcionários foi mantido, o que não seria possível sem a ajuda do governo nas folhas de pagamento e no adiamento do pagamento de impostos para o município”, comenta Sônia.
Manter o quadro, aliás, está entre as metas da empresa para 2021, juntamente à retomada do crescimento das vendas. Para isso, a Medicinal precisa superar a escassez de matéria-prima e a escalada dos custos de produção. Segundo a farmacêutica, a empresa sempre contou com bom estoque, mas já sente dificuldade para adquirir matéria-prima. Somada à indisponibilidade de alguns itens, o aumento dos preços de boa parte deles, puxado pela alta do dólar haja visto que a maioria é importada, preocupa e compromete a retomada do crescimento. Ainda assim, Sônia mantém o otimismo, afinal, uma das lições que aprendeu com a pandemia é estar apta às mudanças.
Sônia Regina Amaral, da Medicinal: para reverter a queda brusca no faturamento, empresa passou a receber pedidos online e a entregar os produtos em casa, depois da liberação da Anvisa
Reposicionamento da marca
Não há dúvidas que a pandemia impulsionou o crescimento e fortaleceu o comércio eletrônico brasileiro, levando negócios a migrar para o e-commerce. Entretanto há ainda quem acredite – e aposte muito – no potencial da loja física. É o caso do empresário Dante Lopes, sócio da Fratelli House e da Maison Fratelli, esta última inaugurada no ano passado.
A empresa de móveis e artigos de decoração planejava o reposicionamento da marca. Mirando a classe A, a ideia era abrir uma segunda unidade e promover mudanças na fachada, na logomarca, no layout e nos fornecedores. “O ano de 2020 seria o da virada de chave”, revela Lopes.
Quando saíram as primeiras notícias sobre o coronavírus, a Fratelli estava em busca de um imóvel para a nova unidade. E o ponto ideal apareceu pouco antes da paralisação das atividades não essenciais. Trata-se de um prédio de mil metros quadrados localizado na movimentada avenida Colombo.
“O espaço era bom, onde funcionava outra loja de móveis. Decidimos comprar o imóvel e seguir com o planejamento, até para garantir os preços. Ninguém imaginava que tudo pararia da forma como aconteceu”, revela o empresário.
Diante do novo cenário, Lopes e o sócio tiveram que refazer as contas para se adequar aos ‘novos’ orçamentos impactados pela alta do dólar. Também tiveram que lidar com o medo diante da queda brusca de faturamento com o comércio fechado. Mas nem por isso desistiram da Maison Fratelli.
Depois de 30 dias o funcionamento do comércio foi liberado e a nova unidade Fratelli abriu às portas ao público. O entrave agora era a falta de estoque ocasionada pela paralisação da produção nas indústrias moveleiras. “Não havia produto no mercado. As indústrias não conseguiam entregar. O pior foi que o nosso custo fixo dobrou com as duas lojas. Isso assustou um pouco”, confessa o empresário.
O jeito foi reduzir os custos e se reestruturar. Parte da equipe de colaboradores precisou ser dispensada. O e-commerce, que contava com equipe própria, ficou em segundo plano. Os investimentos no canal online foram abortados.
“No nosso segmento o cliente precisa vir à loja para fechar a compra. Nossas vendas na internet eram mais de itens de decoração, que têm tíquete médio bem inferior ao dos móveis”, justifica.
E a aposta deu certo. Até porque o setor está entre os ‘favorecidos’ pelo isolamento social. Obrigadas a ficar em casa, as pessoas direcionaram o dinheiro gasto com viagens e lazer para investir no aconchego e na decoração do lar.
“Havia uma demanda reprimida que fez o volume de vendas explodir, para a nossa surpresa”, diz Lopes, que ainda contou com a paciência dos clientes pela espera maior pelo produto. O prazo médio de entrega da indústria subiu de 30 dias para até 120 dias. “Se tivesse comprado mais estoque quando tive oportunidade, teria tido um resultado melhor porque para muitos o consumo é urgente, querem o item a pronta-entrega. Esta, aliás, é uma lição que fica”.
Além do estoque maior, o empresário pretende trabalhar com um planejamento de caixa mais ‘folgado’. Os dias de faturamento zero apontaram para a necessidade de uma margem de segurança de reserva maior. “Quantos dias uma empresa vive sem faturar? Era algo que não imaginávamos, mas que pode acontecer. Quem estava estruturado se segurou, porém muitos fecharam as portas”, lamenta.
Felizmente a Maison Fratelli está aproveitando o mercado aquecido. Obedecendo às regras de distanciamento social, o fluxo na loja aumentou consideravelmente, principalmente com a estratégia de atrair um público selecionado formado por profissionais de arquitetura e design. “Quando o cliente vem acompanhado de um arquiteto ou designer acaba comprando a sala inteira, não só o sofá”, comemora.
Dante Lopes e Abdalla Taha, da Fratelli House, tinham acabado de comprar um imóvel para abrir a segunda loja quando a pandemia começou; eles readequaram custos e deram continuidade ao projeto da Maison Fratelli
Reestruturação
Há cerca de três anos a Organne iniciou um amplo projeto de reestruturação focado no fortalecimento da marca e na expansão do mercado. Em busca de maior visibilidade no cenário nacional, a empresa com sede em Maringá levou seus vasos vietnamitas para o Rio de Janeiro. A loja ‘carioca’ foi inaugurada há pouco mais de dois anos.
“Foi uma ação estratégica para a empresa se comunicar melhor com o Brasil a partir do Rio. O objetivo era tornar a Organne uma marca nacional”, explica o diretor Paulo Henrique Costa.
A estratégia foi bem-sucedida. Depois do Rio, os produtos se espalharam pelo território brasileiro, em lojas parceiras de decoração e paisagismo.
Paralelamente, a Organne decidiu ‘encurtar’ o caminho até o consumidor final. Antes revenda exclusiva para o atacado, a empresa passou a atuar no varejo. “Pulamos uma parte do processo e o relacionamento direto com os clientes trouxe resultados significativos”.
Essas mudanças, segundo Costa, foram essenciais para superar o cenário adverso trazido pela pandemia. Em um primeiro momento, a empresa, obviamente, sofreu os impactos do isolamento social e precisou fazer ajustes.
“Por causa do processo de reestruturação, tínhamos em mãos indicadores que ajudaram na hora de fazer o desligamento de alguns colaboradores, cortar custos e mudar a gestão de pessoas. Eram ações que seriam feitas com o tempo e foram aceleradas com a pandemia”.
Inicialmente o quadro de colaboradores caiu de 27 para 13, e depois a empresa voltou a contratar. Hoje a Organne emprega 19 pessoas. Apesar da equipe menor, as vendas cresceram impulsionadas por mudanças de gestão e remuneração estratégica. Os ajustes nas finanças incluíram ainda redução no valor do aluguel com uma troca de endereço.
Já para driblar as restrições de funcionamento impostas pelos decretos municipais e impulsionar as vendas, a empresa investiu em canais digitais, onde é possível conferir o portfólio de itens de decoração e produtos de alto padrão. “Neste ponto, o relacionamento direto com o cliente foi fundamental. Também, assim que possível, retomamos o atendimento presencial e fomos a campo em busca de parceiros”, conta.
Isso permitiu que a Organne aproveitasse o bom momento vivido pelo setor de decoração e paisagismo, valorizado em tempos de pandemia, já que o isolamento social impulsionou a busca por hobbies e o aconchego em casa. “Ao ficar mais tempo em casa, as pessoas passaram a ter um outro olhar e a desejar um espaço aconchegante e bem decorado”, comemora o diretor.
Os resultados só não são melhores por causa dos custos de importação, que acabam impactando no produto final. Além da alta do dólar, pesa na conta o valor do frete marítimo. Os vasos importados do Vietnã chegam ao Brasil em navios, cuja circulação está restrita nos últimos meses. Com isso, o valor do contêiner para o transporte, que em maio do ano passado custava US$ 1,5 mil, agora custa US$ 10 mil.
Para contornar a variação de custos e manter o faturamento da empresa em crescimento, o diretor aposta na OKR, metodologia de gestão que ajuda a acompanhar o ritmo acelerado e dinâmico do cenário por meio de metas.
“Hoje revisamos os indicadores a cada 15 dias, porque ter informações para se planejar se mostrou uma ferramenta poderosa nos últimos meses para manter o negócio e aproveitar as oportunidades”, diz o diretor, que faz planos de seguir com a expansão da marca com a inauguração de duas lojas da Organne, uma em São Paulo e outra Curitiba, ainda neste ano.
Paulo Henrique Costa, da Organne, precisou fazer demissões, trocou de endereço e investiu em canais digitais; ele planeja abrir duas lojas neste ano